Plantão da Fé

CEIFEIROS NA SEARA

O trabalho dignifica. O trabalho enobrece. O trabalho é nossa sobrevivência. O nosso trabalho pode ser secular. Podemos trabalhar, e bem, para Deus. O trabalho não e só meio de produção. O trabalho tem seus produtores, dos artífices às máquinas, que apresentam a força do seu trabalho para vendê-la aos que possuem o dinheiro. Marx dizia que não haveria mais classes após a revolução e pediu para Darwin fazer (não foi atendido) o prefácio da sua obra O Capital, pretendendo comparar a teoria da evolução das espécies com a luta de classes.

Há equívocos nesse raciocínio. No cenário, vamos inserir as Sagradas Escrituras, porque elas sabem tratar muito bem desse assunto, inclusive com a aula de trabalho e economia, que é a parábola dos talentos (Mt 25.14-30).

Em seu livro A Leste do Éden, John Steinbeck diz que teria sido este o lugar onde Caim foi viver após matar Abel. A Bíblia relata que, na verdade, Caim foi para o Oriente do Éden, mas o importante é destacar que o primeiro assassino, mergulhado na solidão e na culpa, se deparou com o medo da morte, mas o Senhor lhe colocou um sinal na testa para que quem o encontrasse não o ferisse de morte. Antes, porém, deu-lhe uma lição, que serve para todos nós: “Eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.7). Cabe a nós dominar o pecado. Se nós não dominarmos, no caso do trabalho, visto como razão de viver, seremos consumidos pela vontade de ter mais e mais. Esse perigo contamina e infecta como um vírus.

O que é o Dia do Trabalho, 1º de maio, na sua origem? Uma revolta dos trabalhadores de Chicago, EUA, em 1886, para conseguir que a estafante jornada de trabalho fosse diminuída de treze para oito horas diárias. Isso provocou um confronto sangrento com a polícia, que resultou em doze manifestantes mortos e dezenas de feridos. A data passou a ser usada como marco da luta, sendo aproveitada por populistas e demagogos variados, entre eles o ditador Getúlio Vargas que, no dia 1º de maio, usava a efeméride para anunciar benesses paliativas aos “trabalhadores do Brasil”. A data deixou de ser considerada símbolo de luta. Passou a ser uma festa.

Revolta de Haymarket. Ilustração de Thure de Thulstrup (1886)

A Bíblia é severa com os não achegados ao trabalho: se alguém “não quer trabalhar, não coma” (2Ts 3.10-12); “…sabendo que vosso trabalho não é vão para o Senhor (1Co 15.58); “…que todo homem coma, beba e goze do bem do seu trabalho” (Ec 3.13 e 5.18). Após a queda do homem, Adão ouviu do Senhor que “no suor do rosto comerás o teu pão” (Gn 3.19). Trabalhar é preciso. Na perspectiva do padre Vieira, num dos seus sermões, “a terra não costuma dar fruto senão a quem come o seu pão com o suor do seu rosto” e “faltando a pedra e o operário, de modo algum se pode construir o edifício, por mais que tenha sido planejado”. E, no ângulo marxista, a plus-valia representa a causa do lucro: o ignorado valor da força do trabalho na confecção de um produto até chegar ao seu final.

Chegamos aos que trabalham na Casa de Deus e na propagação do evangelho. Recomenda-se que eles “se apresentem a Deus aprovados, como obreiro que não tem do que se envergonhar e que maneja corretamente a Palavra de Deus (2Tm 2.15). Há compensação: os líderes da igreja “são dignos de dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino” (1Tm 5.17). Há exortação: “cada um exerça o dom que recebeu para servir os outros, administrando fielmente a graça de Deus em suas múltiplas formas” (1Pe 4.10).

Cada um de nós recebe o seu dom; um corpo tem muitos membros; quem ensina faça-o com esmero, ensina Paulo. Trabalhar para viver não significa viver para trabalhar. Há quem cometa esse equívoco: trabalho em primeiro lugar, família em segundo; destaque em trabalhar, ignorando filhos, companheiros, amizades. A carreira como prioridade, tudo o mais mero detalhe. O tempo vai cobrar essa opção e aí poderá ser tarde demais. O arrependimento tem de ser eficaz. O dom é distribuído em variados formatos. Ninguém fica sem ser contemplado com nada.

Trabalhar e obter sucesso é um dos ingredientes da Parábola dos Talentos (Mt 25.14-30). Cada um de nós possui o seu talento. Essa forma de contar uma história, com adequação para o ouvinte/personagem, é um jeito comparativo pedagógico. Essa parábola é uma forma de saber dispor do capital, decidir a hora de fazer bons investimentos, demonstrando empreendedorismo. Isso produz excelentes resultados no mercado. O que faz a pessoa que dispõe de vastos recursos? Vai viajar e, para não ficar com talentos imobilizados, incumbe três dos seus empregados para administrar cotas. Um deles fica com cinco, outro fica com dois e o terceiro fica com um talento. Quando volta de viagem, o dono da capital verifica os resultados. O talento era unidade monetária, possuindo equivalência a um ótimo salário. Portanto, bom dinheiro.

O primeiro servo investiu. O segundo também. Já o terceiro enterrou o dinheiro no chão. O que se aprende nessa história? Que é possível, eticamente, obter lucro por meio dos nossos recursos, inteligência e trabalho. Não obter lucro nenhum, mantendo recursos na estaca zero, imobilizados, é prejuízo. Ninguém corre atrás dele. Corre arás do lucro. A má administração, não usar os talentos, é forma de desperdício. Sucesso ao entender isso não quer dizer ser banido da morada celeste. O servo preguiçoso contemporâneo agita uma bandeira ideológica fora de compasso. Então… a falência, a recuperação judicial, o herdeiro afundando os recursos disponibilizados pelos pais. Olhe ao derredor e veja como isso acontece tanto. O investidor, a rigor, agirá para o bem de todos. Precisa de criatividade e uma certa dose de ousadia. Guardar recursos só para si? Coisa de egoísta e medroso.

A parábola ensina que é preciso multiplicar a mensagem do evangelho.  Multiplicam-se os talentos, como na parábola multiplica-se a ação do semeador (Mt 13.3-8). Detalhe: ele saiu a semear, não ficou parado, estático. O que acontece: as sementes caem em vários lugares, adversos, mas uma delas cai em solo bom e se multiplica a cem, sessenta, a trinta por um. Almas conquistadas. A semente, o evangelho, precisa ser lançada para poder multiplicar-se. É possível interligar essas lições para aprofundar-se no significado do trabalho. Como, mais um exemplo, o relato de Jesus sobre a seara e os trabalhadores (Mt 9.35-38). A seara é um campo cultivado. Requer muitos trabalhadores para o trabalho da colheita. Jesus lamenta que a seara seja grande e os trabalhadores poucos. Incomode-se: muitas pessoas precisam ser alcançadas pela Palavra, mas os pregadores são poucos. Há uma carência terrível de conhecimento, mesmo que a terra queira deixar-se salgar. A colheita poderia ser bem grande, mas poucos estavam a fim de trabalhar.  Quem são os ceifeiros? Nós. O que é a seara? A safra.

A luta contra as forças do mal é diária, o maligno sempre está a fim de duelar, e o palco dessa batalha é o coração humano, como já escreveu Dostoievski. Nós também podemos escrever a história dos talentos, das sementes, pessoais e comunitárias, deixando como legado as nossas próprias referências bibliográficas. Maldade e indiferença estão frequentes demais. Há muita ignorância (dominante) pelo conteúdo das sementes que germinam. A sociedade brasileira, carente de empregos – trabalho, portanto – e aumentando a informalidade, assiste perplexa as lideranças do país empenhadas mais em abrir mão da realista profunda desigualdade social. Só realidade muda a realidade. Impacto da onda é uma coisa; farfalhar frívolo da espuma é outra. É preciso, com urgência, ceder espaço aos fatos, pois a realidade é ou não é. A verdade sobre o trabalho em nada se parece com as convicções político-partidárias ou ideológicas, gravitando sempre em torno de um pseudo salvador da pátria.

Nós, ceifeiros da seara santa, sabemos muito bem que o único salvador é nosso Senhor e Redentor, Cristo Jesus. O resto é o resto.


Percival de Souza
Jornalista e Escritor
Membro da 1ª IPI de São Paulo, SP

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