Artigo Teológico

A FÉ INVISÍVEL – A DOUTRINA DO ESPÍRITO SANTO

“Pneuma”, no grego, e “ruah,” no hebraico, são palavras semelhantes utilizadas nos textos bíblicos que fazem alusão ao Espírito de Deus, significando tanto espírito como vento. Mas, para além do seu significado semântico e referências bíblicas, chamam-nos a atenção as múltiplas interpretações e valorações dadas ao Espírito Santo, dentro e fora das igrejas de tradição reformada.

Ao falarmos em doutrina do Espírito Santo na igreja de tradição reformada, podemos afirmar que estamos tratando de um grande tabu, e existem vários motivos para que o referido assunto se caracterize nestes moldes.

Desde os primeiros séculos na história do cristianismo, as abordagens a respeito do Espírito Santo tiveram atenção desigual. Mesmo se tratando de uma das pessoas da Trindade, a terceira pessoa não recebeu o mesmo cuidado de seus pares, Deus e Jesus Cristo. É certo que urgia uma clara definição acerca de Jesus Cristo, a fim de comprovar sua divindade e, ao mesmo tempo, sua humanidade, de forma a refutar as controvérsias e chamadas heresias surgidas à oportunidade. No entanto, diante dessas urgências, o fato é que a figura do Espírito Santo, de certa forma, ficou minimizada em alguns dos mais importantes documentos da cristandade, tais como os credos Niceno e Niceno-Constantinopolitano, de 325 e 381 d.C., nos quais existe apenas uma ligeira alteração quanto ao tema.

O citado desequilíbrio entre o tratamento conferido às três pessoas da Trindade foi apenas um dos fatores que contribuiu para uma multiplicidade de interpretações relacionadas ao Espírito Santo.

Neste sentido, ao longo dos séculos, correntes das mais distintas têm surgido, fruto de rupturas que se originaram, em boa parte, em virtude de um sem-número de atribuições conferidas ao Espírito Santo, o que ocorreu inclusive na IPIB, tomando-se como exemplo a Crise Pentecostal deflagrada na década de 1950, não se tratando, contudo, do único evento ocorrido no tocante ao tema.

Com esse pano de fundo, nota-se uma preferência da igreja em não abordar – ou abordar minimamente – de forma direta um assunto tão importante como a doutrina do Espírito Santo. Assim, ou se fala muito no Espírito Santo, ou não se fala nada! O reflexo desta realidade é um terreno fértil para inúmeras distorções doutrinárias.

Surgem, portanto, algumas perguntas no seio da igreja, por muitas vezes feitas apenas entre a comunidade, gerando ainda mais dúvidas e interpretações. Dentre elas podemos citar:

  • A nossa forma de culto não limita a atuação do Espírito Santo?
  • Se no nosso culto não “damos lugar” ao Espírito Santo, não é um culto exclusivamente humano?
  • Por que não permitimos qualquer intervenção do Espírito Santo no culto?

Neste sentido, ao longo dos séculos, correntes das mais distintas têm surgido, fruto de rupturas que se originaram, em boa parte, em virtude de um sem-número de atribuições conferidas ao Espírito Santo, o que ocorreu inclusive na IPIB, tomando-se como exemplo a Crise Pentecostal deflagrada na década de 1950, não se tratando, contudo, do único evento ocorrido no tocante ao tema.


Pois bem, como uma igreja de tradição reformada, que se pauta na fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, e nas Escrituras Sagradas, temos algumas questões a considerar,  apenas para rememorar que devemos consultar os textos sagrados antes de concluir o que quer que seja à luz de diversas divagações.

Preliminarmente, cabe-nos destacar que as referências bíblicas aqui citadas são apenas algumas das muitas verificadas na Bíblia, sendo ora trazidas com o condão exclusivo de fundamentar o posicionamento doutrinário em voga.

Uma primeira questão a ser considerada é a condição do Espírito Santo como sendo uma pessoa, tal como nos indicam alguns textos, como por exemplo João 14.26 ou Atos 8.29. Ao lado desta condição, temos sua evidente divindade, tal como no capítulo 5 de Atos dos Apóstolos ou no Salmo 139.

Sabemos também, fazendo um estudo mais cuidadoso a respeito do Espírito Santo, que não o encontramos apenas no Novo Testamento, mas vemos sua atuação evidente no Antigo Testamento, como, por exemplo, nas histórias de Sanção ou de Davi.

Lembramos aqui também da perspectiva do “paraklétos” como aquele que conforta, encoraja, dá ânimo. No texto que consta do Evangelho de João 14.16-31, temos um pronunciamento que confere alento a quem seguia a Jesus, pessoas comuns que criam no Cristo e que não ficariam órfãs após sua partida. Pessoas que estavam com medo diante de uma ruptura relacional eminente, inseguras, às quais é prometido o Consolador que somente seria compreendido pelos seus discípulos, apenas por aqueles que o amavam e lhe obedeciam.

Tal como previamente destacado, não há aqui qualquer pretensão de oferecer um estudo sistemático e exaustivo a respeito do Espírito Santo, mas principalmente de destacar que o indevido tabu impetrado ao longo dos anos na história do cristianismo deve ser objeto de reflexão e mudança.

A igreja cristã deve se preocupar em compreender as características do Espírito Santo, sem distorcer seus muitos valores e condições especificadas e aprofundadas na Bíblia. A notória ênfase dada às chamadas manifestações espirituais pode, muitas vezes, ofuscar a própria pessoa da Trindade, tomando seu lugar. Em outras palavras, há um risco gravíssimo de culto ou divinação às manifestações, e não à Trindade Santa.

Essa ênfase às manifestações – que muitas vezes sequer são divinas – pode ser tão nociva quanto o silêncio mantido com relação à doutrina do Espírito Santo.

Tal como fazemos – ou deveríamos fazer – com relação a Deus e a Jesus Cristo, o Espírito Santo deve ser alvo de nossas pregações, estudos e aprofundamento.

A despeito das divisões, cujo pilar foram as múltiplas interpretações a respeito desta doutrina, o Espírito Santo é aquele que promove a unidade e convencimento a respeito do amor salvífico de Jesus Cristo. É por meio deste Espírito, analogicamente ao texto de Atos 2.9-10, que, quando “…partos, medos, elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judeia, Capadócia, Ponto e Ásia, da Frígia, da Panfídia, do Egito e das Regiões da Líbia”, entre outros, estando em Jerusalém, e escutando galileus, eles ouvem e compreendem em suas próprias línguas as grandezas de Deus (v. 11).

Ou seja, entre outras coisas, as manifestações do Espírito Santo promovem a paz, a compreensão, a unidade, a clarificação da Palavra de Deus, a santificação, o amor, o consolo e, entre outros atributos, o principal deles: promovem o engrandecimento de Deus e de Jesus Cristo.

Que ecoe a teoria de Karl Barth quanto à tríplice manifestação da Palavra de Deus, mediante a qual Deus se relaciona com os seres humanos de três formas:

  1. por meio de Jesus Cristo, a própria Palavra revelada de Deus;
  2. por meio da Bíblia, o testemunho a respeito de Jesus Cristo;
  3. por meio da proclamação da igreja que comunica o que diz a Bíblia através do Espírito Santo. Os seres humanos, por si, são incapazes de ouvir e compreender essa Palavra por meios naturais, contudo, a revelação é concedida ao coração humano por meio do Espírito Santo.

Portanto, quando a Palavra de Deus é dignamente pregada sob a iluminação do Espírito Santo, quando há promoção da união do Corpo de Cristo, quando a igreja se une e se move em prol de amar ao seu próximo mediante atitudes e não apenas por meio de discursos, quando a igreja se esmera em se santificar dia após dia, quando ela se posiciona interferindo na sociedade presente fazendo com que as maravilhas de Deus sejam promovidas, ela não está impedindo as manifestações do Espírito Santo. Ao contrário, ela estará atuando de forma que também, por meio da igreja, o Consolador convença o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.9-11).

Não há tabu, não cabe silêncio, nem tampouco idealizar que inexistem as indagações trazidas à tona – entre tantas outras. Como igreja de Cristo, devemos nos aprofundar no estudo, no conhecimento e no ensino a respeito do Espírito Santo. Que sua divina iluminação esteja sobre nós e sobre toda a igreja de Cristo para que possamos realizar tão digna e gratificante tarefa.

Rev. Alan Daniel Litwin
Pastor do Presbitério do Ipiranga da IPI do Brasil

2 thoughts on “A FÉ INVISÍVEL – A DOUTRINA DO ESPÍRITO SANTO

  • Marise Capistrano

    Muito pertinente esse assunto pra nossos dias, ótima abordagem !
    Infelizmente nossas igrejas nasceram com muitas ideias equivocadas, distorcidas com ou sem más intenções por seus fundadores e líderes religiosos… e nesse aspecto acabaram por inserir a figura do Espírito Santo dentro de um contexto equivocado de suas crenças particulares… precisamos refletir á luz das Escrituras, mas sobretudo buscando o conceito e o significado dentro do contexto histórico e hebraico. Penso que se aproximar da linguagem e da cultura hebraica daquele tempo seria um bom caminho de retorno à essência, que pode ter se perdido ao longo desses séculos com a influência da cultura greco-romana nas edições de texto bíblicos e hoje com influência também das diversas denominações de igrejas nesse nosso século.
    Mas Glória a Deus que as ações do Espírito Santo não serão paralisadas por causa de nossa ignorância de cada dia se abrirmos verdadeiramente nossos corações para o amor de Deus e sentirmos a presença maravilhosa desse Amigo Invisível.

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  • Paulo Eugênio Mendonça de Anunciação, Presb. Disp.

    Excelente artigo Pr. Alan,
    Permita-me compartilhar nossa experiência na 1ª I.P.I. de Curitiba, nos idos de 1950.
    Na década de 1950 testemunhei em nossa 1ª IPI de Curitiba um fato histórico, bastante marcante. Aconteceu com a família Castro: Mariano era presbítero, seus filhos Raul e Lauro eram diáconos. Estes apenas desempenhavam suas funções litúrgicas, pois tinham até dificuldade de orar em público e, sempre que podiam, se eximiam dessa responsabilidade.
    Certa ocasião, o presbítero Mariano ficou gravemente enfermo do coração. Seu médico, também presbítero, avisara a família que no caso dele não havia nada que a Medicina pudesse fazer. Nessa mesma época, chegavam à cidade de São Paulo os pastores Harold Edwin Willians e Raymond Boatright que, enviados como missionários, montaram uma tenda denominada Cruzada Nacional de Evangelização, que dava ênfase à cura divina, difundindo o lema “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e será eternamente”. Um dos filhos de Mariano, esteve em São Paulo e conheceu essa visão diferente do “Evangelho de Jesus Cristo que, não só salva, mas também cura e batiza com o Espírito Santo”. Mais surpreso ainda ficara com a explosão de milagres e maravilhas que deu início a um grande reavivamento no Brasil, com muita repercussão, cujos acontecimentos eram relatados, por várias semanas, nos jornais paulistanos. Os filhos de Mariano então, resolvem levar o pai a uma dessas reuniões de avivamento em basca da cura. Voltam para Curitiba e dão a notícia: o pai fora curado e, que a família havia recebido a missão de se dedicar à implantação da Cruzada Nacional de Evangelização no Paraná.
    O Conselho dos Presbíteros da 1ª IPI de Curitiba, convida a família para tentar entender o que acontecera, posto que a IPI (como as demais Igrejas históricas) acreditava que “a missão do Espírito Santo (curas e milagres) já havia cessado com os Apóstolos”. Naquela reunião, então, o presbítero Mariano e seus filhos diáconos comparecem e comunicam as boas novas que a família havia recebido, e pedem para se desligarem da comunidade da IPI de Curitiba, em obediência à orientação que haviam recebido do Espírito Santo. Ficou registrado naquela ocasião, que a família saiu em paz com os irmãos presbiterianos; e no final desse registro, o Conselho comunica-lhes que a “1ª IPI de Curitiba ficará de braços abertos para acolher a família Castro, caso o projeto deles não dê certo”.
    Foi neste contexto, no ano de 1955, que a família Castro começa sua missão junto ao missionário Júlio de Oliveira Rosa, em Curitiba. Este trouxe em sua bagagem a “Mensagem e a Visão da Igreja do Evangelho Quadrangular: Jesus Cristo Salva, batiza com o Espírito Santo, Cura e é o Rei que Voltará”. Hoje, 65 depois, a Igreja do Evangelho Quadrangular em Curitiba está consolidada com suas 160 igrejas; sim, somente em Curitiba, e cada uma com seu pastor(a). Em nível nacional, a Igreja do Evangelho Quadrangular possui 35.159 Ministros ativos em todo o Brasil: sendo 23.331 obreiros credenciados, 3.640 aspirantes e 8.188 pastores (4.800 só no Paraná). Ao todo, são mais de 9.000 igrejas e cerca de 2.000 congregações, num total de mais de 11 mil igrejas, congregando cerca de 1.808.389 membros em todo o país.
    A nós presbiterianos, sempre nos ensinaram que o ministério do Espírito Santo havia terminado com os Apóstolos. Lembro-me de algumas vezes, de nossos pastores em vez de orar pedindo a cura, pediam apenas que Deus confortasse o enfermo e até “afofasse seu leito de dor”.
    A questão é histórica. Como as demais Igrejas Reformadas, não sei de onde, quando, e nem como a nossa IPI começou a acreditar que “o ministério do Espírito Santo havia cessado logo após a era apostólica” e, muito menos aceitava ou ensinava a prática de “períodos de jejum e oração”. Somente décadas mais tarde, na Assembleia do então Supremo Concílio da I.P.I. do Brasil em 1995 é que tentaram mudar essa visão; tardiamente, e nada mais. Ficou só nisso!
    Hoje, em nossa IPI do Brasil já aceitamos o Ministério do Espírito Santo como atual, mas, mas não sabemos como nos relacionar com Ele!
    Infelizmente, ainda temos dificuldade para perceber e lidar com essa realidade; não sabemos como administrar isso em nossas igrejas! Alguns de nossos líderes ou membros, isoladamente, “tentam aprender” ou copiar os exemplos e as práticas das chamadas Igrejas Pentecostais e Neopentecostais; no entanto, tais práticas têm-nos mostrado muita controvérsia com os textos bíblicos sobre o Ministério e a Obra do Espírito Santo. E nessa busca por um maior relacionamento com o Espírito, apesar da boa vontade desses amados irmãos, infelizmente, tais atitudes têm provocado mais atrito do que luz em nosso meio!

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