CONTEMPLATIO
Nossa sociedade tem transformado as relações humanas em relações de consumo, distorcendo a beleza das relações de afeto e contemplação, instalando uma “religião de puro consumismo”.
Nossa cultura nos molda como consumidores, pensando em satisfação própria, deixando de lado a beleza e o afeto, bem como a verdade e a sustentabilidade.
Por outro lado, a produção de bens é feita com um pensamento em obsolescência programada.
Infelizmente, a dimensão da fé também é imensamente afetada, e tende a ser reduzida a uma relação de consumo.
Neste sentido, Deus também tem sido visto (“vendido”) como um produto em uma relação comercial.
Muitos grupos religiosos (e evangélicos) tem apresentado Deus como alguém que detém bens (“bênçãos”) de interesse do ser humano, proclamando que Ele concede bênçãos mediante a oferta de dinheiro.
Por essa lógica, é importante se apropriar de Deus, dominá-lo.
Não é preciso amá-lo…
Nas Escrituras e na tradição da Espiritualidade Clássica da igreja, temos uma proposta de aproximação em direção a Deus muito mais como mistério e espaço sagrado.
Não podemos controlá-lo, não podemos explicá-lo, não podemos classificá-lo, não podemos mudá-lo. Mas podemos adorá-lo e amá-lo.
É isso que a contemplação ensina: estar com Deus não em uma relação instrumentalizada ou de interesse, mas simplesmente para desfrutar profundamente de sua presença santa e amorosa, admirar sua beleza e pureza, sem trocas, com o desejo somente de amá-lo.
Em toda a Escritura, a linguagem do amor – de Deus para o ser humano e deste para Deus – é a linguagem por excelência.
Na Lectio Divina, depois dos movimentos de Ler, Meditar e Orar, há o movimento de
Contemplar.
Se, por um lado, eu me disponho a ir em direção a Deus de forma intencional e ativa, como uma resposta ao seu amor, por outro lado, eu me coloco em uma atitude de espera passiva, aguardando pela sua visitação.
Esta experiência não pode ser controlada.
Posso ir até Deus, mas não posso obrigá-lo a vir até mim.
Contudo, Deus não somente nos ouve, mas também deseja estar conosco. Por isso, o último passo da Lectio (o mais profundo e misterioso) é a contemplação.
Segundo um grande mestre da espiritualidade cristã, “a contemplação nada mais é que o aperfeiçoamento do amor”.
Longe de ser uma atividade “exotérica”, a contemplação é uma experiência muito concreta de crescimento em amor.
Joyce Huggett ressalta este caminho: “Ao contrário do que se pensa hoje, a contemplação não implica esvaziar a mente ou ter pensamentos com a doçura do mel. Como já observamos, seu principal alvo é encontrar Cristo, para que se reacenda nosso amor por ele”.
Para tanto, é preciso preparação do nosso coração e um desejo profundo de estar com Deus.
Muitas distrações, cargas e interesses impuros nos impossibilitam esta experiência. Joyce continua sua orientação: “Temos de separar tempo sem interrupções para a oração contemplativa. Depois de transferir nosso fardo e permitir que nossa tensão escorregue de nós como a neve que desliza dos telhados em tempo de degelo, a fase seguinte da oração envolve a consciência da presença de Deus. Jesus prometeu que jamais nos deixará nem nos abandonará. Portanto, separemos um tempo para sintonizar sua presença”.
Encerro com as palavras de Merton: “A contemplação é o dom da súbita tomada de consciência, do despertar para o Real dentro de tudo o que é real. Uma vívida consciência do Ser infinito que está na raiz do nosso próprio ser limitado. Uma consciência de nossa realidade contingente como algo recebido, presente de Deus, dom gratuito de amor. Este é o contato existencial de que falamos ao usar a metáfora: ser tocado por Deus. A contemplação é a consciência e a percepção, e mesmo, em certo sentido, a experiência daquilo que cada cristão crê obscuramente: Agora não sou mais eu que vivo; é o Cristo que vive em mim”.
Rev. Casso Mendonça Vieira
Pastor da 1ª IPI de Campinas, SP