Artigo Teológico

“O MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO” (JO 18.36)

Sem dúvida, est é um dos diálogos mais emblemáticos das Escrituras, haja vista as reações e expectativas que ele causa, quando nossos olhos percorrem as linhas do texto sagrado que põem frente a frente Pôncio Pilatos e Jesus Cristo.

Lendo através das linhas da comunidade joanina, essa expressão “O meu reino não é deste mundo” reveste-se de um significado pouco mensurado.

Em meio a disputas que estavam sendo vivenciadas pela comunidade do “discípulo amado”, disputas com origens diversas e grupos que buscavam a hegemonia, falar de amor era apontar o antídoto ao jogo do poder. Era mostrar o antídoto para a ganância e desumanização do ser.

O diálogo não só move a trama da narrativa para o seu ápice. Ele quer trazer à memória da comunidade em disputa princípios que deveriam fazer parte de qualquer pessoa que levasse a marca da cruz na sua vida diária.

A cena que se dá no interior do Pretório. Reúne os três poderes que estão em querela.

O judaísmo, ávido em expurgar mais uma tentativa de ruptura do seu poder, se põe em oposição ao poderio romano.

O Nazareno põe em oposição a Roma um galileu, mais um que, saído daquele lugar de difícil controle, alvoroça e coloca a imagem da elite judaica em grande dificuldade. 

Roma, cada vez mais cravando seus tentáculos naquela região, não vê qualquer perigo nas ações do Nazareno.

Na caminhada, pregando, curando, propagando um reino diferente, as ações de Jesus incomodavam aqueles que tinham, no aspecto religioso, o instrumento de controle sobre uma massa marcada pelo sofrimento, escravidão e miséria, mas, também, marcada pela espera. Espera de um salvador, espera da derrota de seus algozes, espera de dias de glória, espera do dia da libertação.

Em meio ao jogo de interesse, característico do poder, Jesus é a imagem do Reino que é antipoder. Jesus traz em suas palavras concepções desconcertantes, não cabidas na natureza do poder romano, ou mesmo do poder sacerdotal. O texto joanino expõe as tensões entre os três poderes que estão alicerçados em bases opostas.

O diálogo no Pretório faz Jesus reviver os momentos de tentação, quando Satanás promete o poder em troca da sua sujeição. À pergunta de Pilatos, a negação inteligente de quem sabe que a ideia de poder experienciada por Pilatos não poderia ser respondida positivamente, sob pena de assemelhar o Reino de Deus ao Império Romano. Decorre da resposta de Jesus o contraste direto e objetivo à ideia de poder de Pilatos:

Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas agora o meu Reino não é daqui”. Caso estivesse falando dentro da mesma ideia, o levante seria a resposta à prisão de Jesus. O motim seria a negação da missão de Deus.

O Reino de Deus não é reino de opressão e subjugação. O Reino de Deus não nasce pela violência. O Reino de Deus não tem o comando e o poder como um valor em si mesmo. O Reino de Deus é serviço. Não pode ser desse mundo um reino que se estabelece pelo cuidado e pela entrega altruísta. Não pode ser desse mundo um Reino que não mata aqueles que se opõem a ele.

As bem-aventuranças são o programa do Reino de Deus. Nesse programa, a humanização é o centro. O ser humano do Reino de Deus é o ser que se humaniza na troca, na não-violência, na misericórdia. Na fala de Jesus, a verdade inconteste: o Reino de Deus é antítese dos reinos do mundo, sejam eles laicos ou religiosos.

Restou a Pilatos lavar as mãos. Restou a ele a compreensão de que não era possível ver crime em alguém que não aviltava à Roma e em quem não via conspiração. Nitidamente, era um caso da alçada religiosa

A resposta à pergunta de Pilatos foi a nova vitória de Jesus à tentação do afastamento da missão de Deus. O caminho para a cruz era inegociável. A morte, agora, era algo inadiável para a semente do Reino brotar em nossos corações.

Rev. Neilton Diniz
Pastor da IPIB, sociólogo e presidente do Sínodo Setentrional

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