A FAMÍLIA E O DESAFIO DA VIDA COMUNITÁRIA
Os salmos são lenitivos para a alma. São como boas palavras a alguém num divã, o divã de Deus. E há salmos que elegemos como preferidos. O Salmo 128 é um deles. É uma continuidade natural do Salmo 127.
Ao ler, ouvir e meditar no Salmo 128, surgem imagens e cenários. Vejo o marido e pai chegando em casa à tarde, depois de um dia exaustivo de trabalho, ávido por um tempo de refrigério com a família. Consigo visualizar uma esposa e mãe ocupada com os afazeres domésticos e com os filhos.
Sinto-me privilegiado por desfrutar desta experiência marcante de comunhão, tanto na família onde nasci como na que constitui.
A vida no mundo moderno, caraterizada pelo agito das cidades, deslocamentos, ocupações, internet, etc. tem desafiado a vida comunitária.
Vencer o individualismo, o cansaço, a escassez de tempo, o conflito de gerações são obstáculos hercúleos para os que querem desfrutar de uma vida em comunhão com a família.
Destaco algumas aplicações do Salmos 128 que podem ajudar na implementação de práticas que irão favorecer este relacionamento intrafamiliar.
“Bem-aventurado”
A bem-aventurança traz a ideia de felicidade. O professor Luiz Carlos Ramos destaca três projetos de vida distintos nas viúvas do livro de Rute: o projeto do “tu” – Noemi (minha vida se tornou amarga, vocês podem ser felizes), o projeto do “eu” – Orfa (vou tocar a minha vida e ser feliz) e o projeto do “nós” – Rute (serei feliz se o outro for feliz).
Em casamentos, ouvimos o celebrante declarar: “Se você quiser ser feliz, não case; mas se você quiser fazer o outro feliz, então, case.”
A bem-aventurança está no fazer o outro feliz.
“Aquele que teme ao Senhor”
O verbo temer está relacionado a reverência, admiração, respeito e honra direcionados a Deus.
O terceiro mandamento adverte quanto ao uso do nome de Deus: “Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus em vão” (Ex 20.7).
Há pessoas que se dirigem a Deus de forma desrespeitosa e vulgar, como se estivesse tratando com alguém na esquina. Na concepção de temor, o vocativo mais apropriado para se dirigir a Deus é “Senhor”, ao invés de “você”.
O temor do Senhor é confirmado através de um vida diária, na prática devocional e na obediência à sua Palavra, por meio de uma vida piedosa na família, na comunidade de fé e na sociedade. Este é o princípio da sabedoria (Sl 111.10).
É significativo que Jesus tenha realizado o seu primeiro milagre numa festa de casamento, realçando a família como um lugar de milagres, alegria e comunhão.
“E anda nos seus caminhos”
O texto clássico para a educação de filhos é “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele (Pv 22.6)
A ênfase não está em ensinar “o caminho”, mas em ensinar “no caminho”. Ensinar “no caminho” requer presença e acompanhamento. Vida na vida.
Andar no caminho do Senhor é seguir ouvir e obedecer a sua voz que estará sempre afirmando: “Este é o caminho, andai por ele” (Is 30.21).
“Do trabalho de tuas mãos comerás”
Jesus realizou o seu ministério em três anos de intenso trabalho. Como modelo e inspiração ele afirma: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17).
O apóstolo Paulo é enfático neste tema. Declara que o seu ministério foi realizado com trabalhos e fadigas (2Co 11.27). Viveu o princípio de não ser pesado a ninguém (2Co 11.9, 12, 13, 14 e 16). E, de forma categórica, alertou: “Se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10b).
A provisão vem da parte de Deus. Mas, de nossa parte, deve haver empenho e trabalho. Não há bônus sem ônus. Há privilégios e benefícios, mas também há ônus, que são os deveres, as obrigações e as responsabilidades.
Desde a queda isto foi estabelecido: “No suor do teu rosto comerás o teu pão” (Gn 3.19).O pão vem como provisão do Senhor, todavia, há a contrapartida humana.
O Pai está atento às necessidades dos seus filhos quanto ao que comer, beber e vestir (Mt 6.25-34). Se ele alimenta as aves e veste os lírios, que são menores em valor, quanto mais trará provisão àqueles que foram criados à sua imagem e semelhança.
“Sua esposa no interior de tua casa será como videira frutífera”
Ao mencionar “sua esposa”, o salmista pressupõe uma família constituída por homem e mulher. Este é um valor básico estabelecido desde a criação (Gn 2.24, combatendo qualquer tipo de aberração na constituição familiar.
Homem e mulher são iguais perante Deus e têm o mesmo valor. Todavia, são distintos biológica e funcionalmente, o que deve ser ajustado através de acordo e combinação, aplicando o princípio de Amós 3.3, proposto para aqueles que querem andar juntos, levando em consideração as habilidades, disposições e personalidade.
Tudo isto firmado em aliança, da qual Deus é testemunha (Ml 2.14), pressupondo coobrigação e mutualidade, fazendo ferrenha oposição ao divórcio, que é, de fato, uma negativa e afronta à vida comunitária.
A expressão “interior de tua casa” alude à intimidade familiar, à vida privada. Apesar de Deus nos conhecer por completo, é importante convidá-lo a participar da intimidade da família, permitindo acesso à vida privada do casal e aos problemas dos bastidores, como acontece nas bodas em Caná da Galileia.
A esposa comparada a “videira frutífera” traz a ideia de vida saudável, prosperidade, abundância e vida longa. Quanto maior o número de filhos, mais abençoada era uma família. A presença sábia da esposa dentro da casa contribui para a estabilidade, harmonia e alegria familiar, trazendo saúde para a casa, como a propriedade terapêutica pertinente ao fruto da vide.
“Teus filhos, como rebentos da oliveira, à roda da tua mesa”
No salmo 127, os filhos são comparados a flechas na mão do guerreiro, numa ideia de forca, proteção e envio. Neste Salmo, são comparados aos rebentos da oliveira, como símbolos de vigor e continuidade, uma vez que os cultivadores deixavam várias mudas e brotos novos crescerem ao redor da oliveira velha, até se tornarem parte integrante da árvore.
Na concepção mais ampla da Bíblia, os filhos devem ser criados no temor e na orientação do Senhor, com limites e disciplina. O efeito desta prática dá alegria e honra aos pais, ao invés de vergonha e desonra.
A imagem dos filhos ao redor da mesa apresenta a ideia de comunhão, compartilhamento e intimidade. Um lugar sagrado, onde a partilha, a alegria, a gratidão e o serviço estão presentes. A propósito, foi ao redor da mesa que o Mestre anunciou a nova aliança e recomendou que participássemos em sua memória.
“O Senhor te abençoe desde Sião, para que vejas a prosperidade de Jerusalém durante os dias de tua vida, vejas os filhos de teus filhos”
Sião nos remete ao Monte Sião. Representa o lugar da presença de Deus. O conceito de adoração estava muito atrelado a um lugar específico. Jesus ampliou este entendimento quando, na conversa com a samaritana, destacou que a importância não está no lugar, mas na postura do adorador: “em espírito e em verdade” (Jo 4,23).
Este final do Salmo é uma invocação da bênção sobre o povo de Deus. Uma bênção que se estende aos bens e coisas boas que trazem justiça, beleza, alegria, bondade não por um breve tempo, mas por todos os dias que Deus conceder folego de vida e à toda a descendência.
A exclamação “Eis como será abençoado o homem que teme ao Senhor!” parece um suspiro final de alguém reconhecendo que não há como errar: quem teme ao Senhor será abençoado mesmo.
Para fechar com chave de ouro: “Paz sobre Israel!”
No hebraico, paz é Shalom. Seu significado, além de paz é saúde, bem-estar, segurança, tranquilidade, prosperidade, sossego, contentamento e amizade.
O nosso desejo é que esta paz te alcance como integrante do povo da aliança, a família de Cristo Jesus.
Rev. Edson Augusto Rios, pastor da IPI de Dourados, MS, e 2º vice-presidente da Assembleia Geral da IPI do Brasil