TEOLOGIA DIGITAL: COMUNICAÇÃO PARA UM NOVO TEMPO
Somos um mundo em constante mudança.
O planeta está mudando, assim como a humanidade.
Há cerca de 2,5 milhões de anos, há evidências do gênero Homo no continente africano. Cerca de 500.000 anos depois, novas espécies de hominídeos emergiram de um intrincado processo de interação com o meio ambiente e, após mais de 2,3 milhões de anos, surge o Homo sapiens e, com ele, uma série de revoluções que contribuiriam para a transformação definitiva de nosso planeta.
Dentre essas revoluções, a maior invenção da história da humanidade foi a linguagem e as características rudimentares da cultura humana.
Os seres humanos atuam sobre o mundo, modificando-o e, por sua vez, são modificados pelas consequências de suas ações. A seleção por consequências é essa interação do organismo com os eventos ambientais, em níveis de variação e seleção.
O primeiro nível de variação e seleção é aquele que prepara o ser humano para viver no ambiente onde ocorreu a seleção (filogênese).
O segundo nível de variação e seleção ocorre por meio do reforço dos comportamentos de um organismo (ontogênese).
O terceiro nível de variação e seleção é estabelecido por meio das contingências de reforço organizadas pelos membros de uma cultura (sociogênese).
As revoluções promovidas pela humanidade dizem respeito à criação de tecnologias que transformaram e continuam transformando o meio ambiente e as culturas humanas. Hoje, vivemos uma era de transformações exponenciais.
Estamos passando pela denominada quarta revolução industrial: uma série de mudanças significativas na forma como o valor econômico, político e social está sendo criado, trocado e distribuído, a partir do surgimento de novas tecnologias que abrangem o digital e o físico, e são mais poderosos quando se combinam e se reforçam mutuamente. Este é um cenário disruptivo.
A disrupção é um processo que se desenrola ao longo do tempo, às vezes rápida e completamente, mas, outras vezes, lenta e incompletamente. Diante dessas mudanças culturais que acompanham o desenvolvimento da humanidade, podemos observar, por exemplo, que a Reforma Protestante foi um evento disruptivo, provocando profundas mudanças na sociedade e na cultura, a partir do uso de tecnologia inovadora da época: a imprensa.
No cenário disruptivo atual, a mudança de paradigma está ocorrendo em um contexto mais amplo.
A partir do primeiro semestre de 2020, percebemos mudanças sociais rápidas que indicam três grandes transformações:
- 1) A mudança da adoração comunitária para o ambiente online e, como consequência, um modelo híbrido (online e presencial);
- 2) Um rápido movimento da educação em geral, também para um modelo híbrido, mas com aulas síncronas e assíncronas;
- 3) O uso crescente da tecnologia de vídeos ao vivo (streaming), possibilitando, por exemplo, a documentação e a denúncia de injustiças que assolam a humanidade.
Todas essas profundas transformações exponenciais indicam que a maneira como nos comunicamos definitivamente está mudando.
No século XVI, em meio a uma população predominantemente analfabeta, a Palavra de Deus foi divulgada com a tecnologia da prensa gráfica. A partir destes aplicativos chamados “livros”, a Bíblia era lida para a população, contribuindo, de certa forma, para a alfabetização do continente europeu. A Reforma contribuiu para disseminação do uso desta tecnologia disruptiva em sua época.
Hoje, em pleno século XXI, precisamos, como cristãos e cristãs, continuar comunicando a verdade eterna do evangelho de Jesus Cristo a uma população que, cada vez mais, compreenderá, cada vez menos, se continuarmos a utilizar a mesma forma de comunicação do século XVI, com os mesmos termos, estruturas e linguajares.
O problema é que talvez não nos atualizemos o suficiente para compreender, por exemplo, que “transubstanciação” não fará mais sentido para quem está discutindo transhumanismo (e, não, isso não tem nada a ver com a questão de ideologia de gênero) e singularidade. Enquanto não atualizarmos a nossa comunicação a um mundo que cada vez mais discute a possibilidade de multiversos cíclicos, em vez de um universo linear, corremos o risco de falarmos, mas não nos comunicarmos.
Um caminho novo que está sendo desenvolvido na Teologia é a chamada Teologia Digital. Ela trata de interrogar doutrinas religiosas clássicas e determinar como elas se aplicam ou são alteradas pela cultura digital contemporânea, já que a teologia deve sempre falar na linguagem de sua cultura contemporânea. Karl Barth entendia que a teologia existe porque o mundo está fora de sintonia ou, para usar uma expressão teológica, “caído”.
Como herdeiros da Reforma Protestante, o nosso desafio é o de nos atualizarmos sempre para dialogarmos com este mundo “alienado” (um termo usado por Paul Tillich), encontrando as intersecções da graça comum com a graça especial e, desta maneira, apontarmos para o processo restaurativo que apenas Deus pode realizar em nossas vidas.
Rev. Eugênio Anunciação
Pastor da IPI de Mogi das Cruzes, SP
Ministro da Comunicação da IPIB