Fé para o dia a dia

ALMAS DOENTES

Não gostei do que vi e assisti ao longo de outubro. Agora, as cartas já estão todas marcadas para começar o novo ano com novas administrações executivas e exercício de mandatos legislativos, carregados de promessas transformadoras.

Para o bem ou para o mal, consumatum est. Por que está consumado? Porque as escolhas foram feitas e, a favor ou contra, as urnas falaram. É a prática do civismo, democrático, mas nem sempre consciente.

Os reformados, como nós, são convidados para uma reflexão profunda sobre os significados dessas novas direções. Com “profunda”, quero dizer: à luz do Evangelho, a boa notícia que sabemos muito bem qual é.

Fanatismo de nossa parte não dá. Inadmissível. Mas vimos fanáticos totalmente engajados em coisas que não são de Cristo. Sabem o que não se deve fazer, mas fizeram, como se nada fôssemos além de um opaco curral eleitoral, arduamente disputado pelo que significa, e o interessado, politicamente, envolvimento efêmero de candidatos.

Não somos trouxas, embora segmentos pretendam dizer que somos.

Ser fanático é ser doente. Até religiosamente falando. O filósofo francês Voltaire dizia isso. Fanáticos assassinaram quem não ia à missa em 1571, na sinistra Noite de São Bartolomeu.

Anos antes, 1478, condenaram à morte em forma de processos da Inquisição, torturando barbaramente antes para matar depois.

A evolução da humanidade, tema abordado pelo cientista Svante Pääbo, vencedor do Prêmio Nobel em medicina deste ano, foi carregada em nossos tempos de milhões de mortes, provocadas pelo delírio do comunismo e do nazismo, ambos em sequência histórica insofismável. A involução humana. Entram aí os terroristas, que não gostam de serem chamados pelo nome, como se houvesse algum sinônimo disponível pelo que causaram em tempos de muito sofrimento e indignação, com execuções sumárias, atentados, sequestros, assaltos – tudo em nome de algo que diziam ser bom para a humanidade e suas classes sociais.

Paralelo de Voltaire e a alma doente: ao se referir à peste que, implacável, assolava (tema de um vigoroso livro de Albert Camus, fazendo analogia com o nazismo avançando na Europa), uma terrível associação ao ligá-la ao que chamou de “peste da alma”.

A peste da pandemia exigiu a rápida produção de vacinas. A ciência humana teve que correr, pressionada pelo terror mortal que afetou a tudo e a todos. A urgência agora é por salvar as almas.

Acontece, porém, que não existe antídoto para o fanatismo. Pior! Acontece quando o fanatismo se une a religiosos e políticos. Foi ao que, perplexos, assistimos até o mês passado.

Os fanáticos assumem várias faces, inclusive no mundo dos esportes, onde torcidas se enfrentam, brigam e se matam, como se fossem habitantes de cavernas medievais. Afloram o que se poderia chamar de instintos piores penetrando no ser humano. Acrescente-se os criminais, com espancamentos, torturas, assassinatos, criminalidade violenta com vários formatos, mulheres trucidadas mesmo com as inúteis leis de proteção. Sim, existem os fanáticos passionais.

Antes de ingressar na alma propriamente dita, tentemos decifrar o fanatismo nada camuflado na política. Afinal, o que vem a ser um fanático? É o dominado obsessivo pelo fervor, louvor, admiração, reverência, culto, adoração, que giram em torno de gente que propaga ideias e conceitos, métodos e práticas, promessas de metamorfoses.

O fanático não quer nem saber de quem pensa de modo diferente dele. Ofende e agride. Porque, fanático, curva-se diante de tótens e contemporâneos bezerros com grifes de ouro.

Tais comportamentos podem ser sintetizados de várias formas, diante da natureza humana, que dá todos os sentidos possíveis ao ato de pecar. Tolos, dizem as Escrituras. Paixão sem grandeza, “única capaz de imbecilizar o homem”, escreveu nosso Nelson Rodrigues.

A peste da alma ronda incessantemente. Como contamina a alma, exatamente por isso precisamos lutar para salvá-la, com práticas testemunhais do Caminho, que é Jesus.

Durante a disputa por votos, aconteceu algo inacreditável. Pessoas que se dizem religiosas e, pior, biblistas, atacaram furiosamente a um irmão que simplesmente disse que é possível fazer adequações de vários textos, tornando-os contemporâneos, como Jesus didatizou com as parábolas.

Ora, temos traduções variadas, e quem procura dar um sentido mais claro não é traidor. Temos, por exemplo, uma tradução feita diretamente do grego para o português, feita pelo professor Frederico Lourenço, da Universidade de Coimbra.

É a primeira vez que isso acontece, pois somos dependentes do alemão e do latim, com exceção do padre João Ferreira de Almeida.

Não bastassem os inimigos que frequentemente nos atacam, esses irmãos investiram contra o pregador, como se ele fosse um “herege” (assim ele foi catalogado). Pior! Apresentaram-se como detentores, que não são, de um monopólio bíblico do qual me recuso a acreditar.

Pior, ainda! Ficaram, e ficam, absolutamente silenciosos diante dos desmandos de certos tipos de pregadores, que usam (e usaram) do púlpito para proferir absurdos bíblicos, nada teológicos, fantasiosos e fraudulentos, e, mesmo assim, nunca são, ou foram, rotulados de “hereges”.

Lamentável isto, coincidindo com o disparo em sequência do uso das metralhadoras verbais para caluniar, injuriar e difamar, sob o manto nada inefável da “boa causa”. Isto é: os críticos implacáveis não influenciaram os apedeutas bíblicos, mas foram influenciados, em agressivo estilo, por eles. Não absorveram, mas foram absorvidos.

Então, aos fatos       

O que tem isso a ver com a alma que estamos chamando de doente?

Estamos nos referindo ao coletivo, não ao individual que cada um de nós professa como cristãos reformados.

Tendo isso muito claro na mente, vejamos então que o podemos entender por alma.

A palavra tem origem no hebraico néfishe, do grego psykhé e do latim animu (anima). O que significa? O ser, a vida, a criatura. Ou seja: a vida do ser humano não parte dele. A bem-aventurança, porque pode ser eterna. A alma pode se perder ou se salvar (nosso propósito).

Onde fica a alma? O filósofo grego Aristóteles entendia que ela fica no coração. Já o médico grego Herófilo, um dos primeiros a dissecar e estudar um cadáver humano, defendia que ela se localizava em grandes cavidades do cérebro.

Fiquemos com as Escrituras: sopro nas narinas do fôlego da vida, o ser humano se torna assim alma vivente, conforme assinalado em Gênesis 1.7.

Podemos verificar, a partir do livro das origens, que este é um princípio vital, pois nossa alma tem consistência racional, espiritual e imortal, criada diretamente pelo Pai eterno, estando ainda no ventre materno, antes de nascer, conforme Jeremias registra claramente (1.5). Portanto, a alma é parte substancial do corpo. Na vida da igreja, a alma é o Espírito Santo, com sua obra de santificação e distribuição das graças.

Eu sou o que sou” (Êx 3.14), disse o Senhor a Moisés. E nós? O poeta Fernando Pessoa tentou entender: “Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer: eu sou eu?”. Ele mesmo esclarece: “De tanto ser, só tenho alma”. Acrescentando: “A única maneira de teres novas sensações é construíres uma alma nova”. Coração novo, bem sabemos o que é. Almas podem ficar feridas, carentes de um bálsamo. Almas podem ser lavadas, sabemos pelo sangue de quem. Almas podem ficar ansiosas. Almas podem ser saradas, como se faz com o físico nas academias. Almas podem ser resgatadas, sabemos a que preço. Almas podem ficar desoladas, num certo momento, mas aliviadas depois. Seres humanos podem se comportar como se não tivessem alma.

O ano de 2023 espera isso dos brasileiros, para reconstruir variados aspectos da Nação. O Brasil aguarda uma reconciliação, após uma gigantesca fragmentação cultivada por muito ódio e pouco amor.

O Brasil seria o grande vencedor se houvesse transformação das almas doentes, necessitando de tratamento urgente. A terapia das almas. Como seria bom! Façamos a nossa parte, fortalecidos na fé pelo Senhor.

Percival de Souza
Jornalista e Escritor
Membro da 1ª IPI de São Paulo, SP

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