Vida Prática

A FAMÍLIA DO PASTOR: UMA FAMÍLIA NORMAL? (2ª PARTE)

Portas adentro, em minha casa, terei coração sincero” (Sl 101.2b). Contigo, ó Senhor, está o perdão para que sejas temido” (Sl 130.4).   

O que diríamos de Davi, o rei?

Todos nós conhecemos as qualidades de Davi e a maneira maravilhosa do seu chamado (1Sm 16). Artista sensível, homem corajoso e de muita fé. Uma de suas primeiras providências foi a restauração do culto, tal era a sua dependência e preocupação com Deus (1Sm 16).

O Antigo Testamento consagra atenção especial ao rei, que era tido como pessoa sagrada, tanto que era ungido com óleo, o que o tornava propriedade do Senhor e o integrava na esfera divina. Estender a mão contra o rei era sacrilégio (2Sm 1.14).

Com todas estas prerrogativas, Davi não conseguiu ser um bom pai. Amom cometeu incesto com a irmã de Absalão (seu irmão por parte de pai) e este o matou. Absalão fugiu e tramou contra o reinado do pai. Absalão foi morto na guerra e sentimos a angústia de Davi quando chorou a sua morte clamando: “Absalão, Absalão, meu filho, quem me dera eu morrera por ti, Absalão, meu filho” (2Sm 18.33). Lamento um tanto quando atrasado.

Vamos pensar em algumas razões que poderiam levar os filhos de Davi à revolta.

Primeiro, ele se envolveu com muitas mulheres. Não se conformou em ter as próprias, como permitia a lei do seu tempo, mas se interessou pela mulher de Urias, tornando-se, em segundo lugar, um assassino. Recebeu o devido castigo, mas este fato o levou aos outros acontecimentos (2Sm 12.10)

Tinha um humor tremendamente variado: em um momento recebia a todos com alegria e, de repente, estava irado.

Fazia distinção entre os filhos. O historiador Flávio Josefo afirmou que Davi tinha afeto especial por Amon, motivo pelo qual não o castigou como costumava fazer em outras ocasiões.

Dificuldade para perdoar também era uma de suas características. Absalão, depois da morte de Amon, fugiu do castigo de Davi. Passados alguns anos, uma mulher, instada por Joab, convenceu Davi a chamar Absalão. Este veio e, mesmo assim, por não estar disposto a recebê-lo ainda, o fez esperar por mais dois anos.

Temos o relato dos grandes homens da Bíblia que tiveram filhos problemas e as possíveis razões do comportamento destes filhos.

E nós, pastores? Somos melhores que eles?  Que vida levamos ou que comportamento temos que possam levar os moços a fugir do que pregamos?

Se nós partirmos do princípio de que a estrutura familiar é que vai proporcionar condições para que o jovem viva ou não a vida religiosa que vivemos, podemos concluir que, quando o moço abandona a igreja, é porque já abandonou a família.

Vocação pastoral

Todo pastor se sente vocacionado, chamado de forma especial por Deus para o ministério. O que nem todos perguntam, para atender à vocação, é se a família, a esposa e os filhos também sentem a mesma coisa. Estariam eles preparados para os baixos salários, para as mudanças constantes ou, ainda, para enfrentar juntos os graves problemas da igreja que, fatalmente, o pastor traz para casa?

A esposa do pastor

Os que se preparam para o pastorado recebem, quase que por escrito, todas as características de como deverá ser a sua esposa. Ter fé, um mínimo de cultura, saber tocar algum instrumento, submissa, não vaidosa, saber trabalhar com crianças, liderar as senhoras e saber pregar.

Neste caso, o pastor deverá se casar com uma pastora, e nem todas tem a obrigação de ter esse perfil. Aliás, atualmente, muitas denominações já estabelecem que a esposa do pastor é pastora. Cada grupo com suas características pessoais.

Mas e a mulher de carne e osso? Aquela que estará junto ao marido em seus momentos íntimos, em que um se dedica ao outro na sua totalidade, criando aquele clima de amor que os filhos precisam sentir no ar. Eu imagino que, nos dias de hoje, com todas as informações possíveis, os casais estejam, neste particular, melhores do que os de 20 anos atrás.

Numa conferência para pastores e esposas em um acampamento, quando toquei neste assunto (a vida sexual do pastor) foi um reboliço. Isto porque citei uma pesquisa da época que colocava taxativamente: “Pastor: meu marido”. 

Exigiram-me que, no dia seguinte, mesmo sem preparo prévio, discutíssemos este assunto. Começamos às 8h e, sem intervalo, fomos até o meio-dia.

Ouvimos as mais singulares histórias. Quando, diante da insistência dos que queriam nos servir o almoço, eu disse: “Para encerrar, uma última consideração: Colegas, as esposas, de um modo geral, reclamam que não somos românticos”. As mulheres, na mesma hora, se levantaram e bateram palmas durante muitos minutos. Fiquei com a impressão de que a única coisa boa que eu falei durante quatro horas foi esta frase.

Testemunho

Todos nós sabemos que o lugar mais difícil de ser cristão é dentro de casa. Por isto, o salmista disse: “Portas adentro, em minha casa, terei coração sincero”. Lá, somos conhecidos exatamente como somos. Em casa, a máscara cai. Nossos filhos e a nossa esposa conhecem o nosso fraco.

No púlpito, o pastor é um excelente defensor do amor, do perdão, da tolerância com o erro do mais fraco, mas, em casa, muitas vezes, é um verdadeiro tirano. Em todas as conversas que tive com filhos de pastor, pude sentir a tremenda mágoa, não pelo fato de o pai ser algo de extraordinário no púlpito e outra coisa em casa, mas por não terem a devida humildade para aceitar essa realidade.

Os filhos não exigem pais puros, santos ou imaculados; o que eles querem são pais coerentes e, principalmente, humildes, que saibam reconhecer também os próprios erros.

Passo a transcrever o que li em um boletim dominical: “Os filhos percebem nos pais uma situação ambígua, duvidosa. Os pais dizem e não fazem, falam e não cumprem. Não há exemplo em casa. Os filhos se revoltam. Em casa é uma coisa e, na igreja, diante da comunidade, é outra. Não há coerência. Os filhos percebem a hipocrisia dos pais, se revoltam contra os pais e o deus de seus pais. Olham os pais como verdadeiras “locomotivas” da comunidade e veem os pais como o “espinho na carne” deles. O caminho da revolta é evidente.  O problema é que os pais não transigem, não se retratam, não pedem perdão, não dialogam. Invocam obediência para esconder suas falhas. Mas os pais são humanos! Buscam justificar os filhos diante da igreja. Não os justificam diante de Deus”.

Ativismo exagerado

Outra grande reclamação dos filhos e das esposas dos pastores é o seu excesso de trabalho. E o pior de tudo é que se instala um círculo vicioso difícil de ser quebrado. Não se sabe se todos os problemas anteriores são causados pelo excesso de trabalho, ou se o excesso de trabalho já acontece para que o pastor não tenha tempo de refletir sobre os seus reais problemas.

Aliás, podemos afirmar que, por trabalhar demais, o pastor perdeu a arte de refletir. Às vezes, é preferível, trabalhar, agir, tomar tempo com atividade a parar para pensar. Estamos sempre buscando algo que nos ocupe, mas que não nos faça sentir a realidade. Como Pascal sugere: “Estar ocupado é uma das formas de evitar a miséria da reflexão”.

Deus tenha misericórdia e nos abençoe!

Rev. Gerson Moraes de Araújo
Ministro jubilado da IPIB e capelão do Hospital Evangélico de Londrina, PR

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