Vida Prática

A FAMÍLIA DO PASTOR: UMA FAMÍLIA NORMAL? (1ª PARTE)

Portas adentro, em minha casa, terei coração sincero” (Sl 101.2). “Contigo está o perdão para que sejas temido” (Sl 130.4).    

Sim, uma família normal, mas com características especiais

O pastor, o pai, o marido… A esposa, a mãe, a “pastora”, a professora da Escola Dominical, a líder das mulheres…

Os filhos – contato (nem sempre fácil) com a igreja e a sociedade.

A igreja, organismo vivo, composto por pessoas com problemas naturais.

Neste contexto, pai, mãe e filhos nem sempre conseguem separar a vida pública da vida privada e, ao mesmo tempo, se ressentem da mesma situação entre trabalho e a família.

Sendo assim, para tentar responder à pergunta sobre a normalidade ou não da família pastoral, tenho que trabalhar o relacionamento entre os seus membros, a começar pela reação dos filhos, cujo comportamento pode refletir uma integração sadia ou doentia sobre o envolvimento no trabalho ministerial realizado por seus pais.

Creio que todos já ouviram falar das dificuldades que os pastores, de um modo geral, têm com seus filhos.

As estatísticas demonstram que uma porcentagem dos filhos de pastor, ao chegar à adolescência, contestam, de forma contundente, tudo o que viveram na infância. Alguns o fazem sendo cínicos, negligentes; outros abandonando a igreja e a fé; e outros, ainda, se delinquindo, abandonando o lar e até participando de drogas ou outros elementos nocivos.

Este número é sintomático. Alguma coisa está errada. Até agora, toda a culpa tem recaído sobre o próprio jovem ou na sociedade que o rodeia. As más companhias, a televisão, as redes sociais e as revistas que fartamente são distribuídas levam a maior parte das acusações como as responsáveis por toda essa desavença entre os filhos e pais.

No entanto, a Bíblia e os estudos posteriores sobre a vida familiar colocam sobre os pais e a estrutura familiar que eles criam para a educação dos filhos toda a responsabilidade pelas atitudes que eles venham tomar diante da vida.

Não é fácil para um pai e uma mãe, depois de tantos anos de luta, dificuldades; depois de horas e horas de insônia; de sofrimentos por terem que disciplinar um filho; ainda levar no rosto a culpa pelo comportamento deles. Mas temos que ser humildes para aceitar este fato. E da nossa humildade vai nascer a possibilidade de uma reconstrução de vida e da certeza da resolução do problema.

Talvez fiquemos mais à vontade se soubermos que a Bíblia relata a história de grandes homens cujos filhos eram problemáticos. Homens cuja fé, disposição para o trabalho e submissão a Deus, se comparados conosco, nem lhes chegaríamos aos pés.

Pensemos em Eli, o sacerdote. Foi acusado por Deus por ter sido desleixado na disciplina dos filhos. “Honras mais a teus filhos do que a mim” (1Sm 2.29). De acordo com o relato bíblico, os dois filhos de Eli transformavam o momento do sacrifício em coisa nada séria; era quase uma brincadeira para eles.

A impressão que nos passam é que, menosprezando o sacrifício, hora sagrada, tentavam chamar a atenção para algo que estava acontecendo e que passava despercebido pelo pai. Os filhos dependem da atenção dos pais, ainda que seja para recriminação. O excesso de repressão e o excesso de tolerância (caso de Eli) significam a negação do filho.

E o interessante no contexto da atuação de Eli como sacerdote é que toda literatura sacerdotal (Levíticos, Números, Crônicas, por exemplo) apresenta o sofrimento humano como consequência do pecado.

Esta posição extremista deveria ter a influência dos cananeus e fenícios no período primitivo da história de Israel, mas, de um modo geral, é a tendência de qualquer sistema sacerdotal.

Depois de descrever, no capítulo 2º de Levítico, as maravilhosas bênçãos da prosperidade que o povo receberá, sob condições de obedecer ao Senhor, o escritor enumera os males que o Senhor trará sobre ele, se ouvir e rejeitar e não cumprir todos os mandamentos: “Eu também vos farei isto: porei sobre vós o terror súbito, a tísica e a febre ardente que consumirão os olhos e farão definhar a vida; semeareis debalde a vossa semente, pois os vossos inimigos as comerão. Porei o meu rosto sobre vós, e sereis feridos diante dos vossos inimigos; os que os odeiam dominarão sobre vós, e fugireis sem que ninguém vos persiga. Se ainda, apesar destas coisas, não me ouvirdes, castigar-vos-ei sete vezes mais por causa dos vossos pecados”. E vai por aí adiante…

É de se estranhar, portanto, que Eli, na adolescência dos filhos, tenha sido excessivamente complacente, pois, pelo que podemos depreender destes relatos, é que a infância dos meninos tenha sido de preceitos, regras, ideias de castigos e terrores.

Outro caso que nos chama a atenção é o de Samuel, o profeta. Dedicado a Deus por uma promessa de sua mãe, foi criado no templo. Sobre os seus ombros, Deus colocou a tremenda responsabilidade de ser, ao mesmo tempo, profeta, juiz e administrador de uma nação.

De acordo com o relato bíblico, seus filhos eram corruptos (1Sm 8). O que os levaria a isto? Eles tinham um pai tão correto que, ao entregar o cargo, na unção do rei Saul, desafiou a quem quer que lhe apontasse algum deslize administrativo ou alguma atitude desonesta.

Este não é o primeiro e nem o último caso de excelentes administradores dos bens alheios e que se constituíram em fracassos como pais.

Cremos que, neste caso, o excesso de atividades, o extremo ativismo, levou Samuel a ter muito pouco tempo para os filhos.

Como já sabemos, ele acumulava as funções de profeta, juiz e administrador (governador). Residia em Remata, mas passava a maior parte do tempo viajando, para atender seus compromissos, por Betel, Gilgal e Mispa.

A mãe poderia se encarregar da educação e do convívio com os filhos. No entanto, naquele tempo, as mulheres não dispunham de autoridade para este mister. Elas não só eram submissas aos seus maridos como, na morte deste, submissas ao filho mais velho. O que uma mãe, nestas condições poderia fazer?

Rev. Gerson Moraes de Araújo
Ministro jubilado da IPIB e capelão do Hospital Evangélico de Londrina, PR

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