Espiritualidade Reformada

A ESPERANÇA COMO ANTECIPAÇÃO ESCATOLÓGICA

“De fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem” (1Co 15.20)

A esperança pode ser entendida na mesma proporção que a fé. Tanto uma quanto a outra são dádivas de Deus para todas e todos que foram adotados em Jesus Cristo como filhos e filhas. Foi o apóstolo Paulo quem tratou de modo comparativo os termos fé e esperança; aliás, em todo contexto em que Paulo fala da fé, fala também da esperança. Por exemplo, em Romanos 8.18-25, Paulo coloca a condição dos salvos em Cristo como aqueles que aguardam, em esperança, a glória final. Desse modo, assim como a fé, sendo dom de Deus, pressupõe o exercício humano para que se adquira experiência e maturidade espiritual, a esperança também é dom de Deus e de igual modo pressupõe o exercício humano para que esta seja sempre antecipadora daquilo que cremos receber apenas no final. É desta afirmação que estamos apontando para a esperança escatológica.

É nesse ponto que cabe destaque sobre a função antecipadora do Espírito Santo, pois tem o sentido de antecipar algo que está previsto apenas na consumação dos tempos, isto é, somente depois que formos chamados à glória celestial, a exemplo de Jesus Cristo. É antecipadora porque, semelhantemente à vitória que Cristo obteve na cruz, sendo glorificado na ressurreição, nós também, pela fé, somos alimentados diariamente pela esperança que antecipa em nós a certeza da vitória, anunciada em 1 Coríntios 15.19: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens”.

Todos nós, seres humanos, vivemos os dramas da existência. Existir pressupõe viver todas as experiências a que os seres humanos estão sujeitos, sejam eles crentes ou não, sejam eles de qualquer classe social, raça, etnia, cultura e até mesmo dos mais devotados em religião. Isto significa dizer que todos nós passaremos pelos altos e baixos nas mais diversas áreas da vida, como saúde, enfermidade, conquista, derrota, alegria, tristeza, santidade, pecado, riqueza, pobreza, juventude, velhice. Tudo isso é muito forte na vida humana por uma razão muito simples: todos nós somos seres conscientes, criados à imagem e semelhança de Deus. Isso nos permite olhar para o passado, analisar o presente e também antever, por fé, o futuro. E isso, naturalmente, gera desgaste emocional, ocasionando, por vezes, ansiedade, medo, angústia e, por associação, a certeza da morte física potencializa ainda mais esse quadro. É exatamente a consciência que temos de tudo aquilo a que estamos sujeitos que acaba gerando em nós o conhecido “vazio existencial” ou, conforme ensina a religião, “vazio na alma”. E, nesse ponto, nem mesmo a Bíblia evitou descrever o sofrimento de tantos personagens, homens e mulheres, que apesar de sua íntima comunhão com Deus, sofreram os dramas dos altos e baixos da vida e, ainda, o dramático peso da certeza da morte.

Talvez essa seja a razão de as palavras “fé” e “esperança” serem usadas constantemente no dia a dia das pessoas, independentemente de serem religiosas ou não. Exemplo disso pode ser visto em trecho da canção de Raul Seixas que diz: “Tenha fé em Deus, tenha fé na vida, tente outra vez”. Contudo, é importante lembrarmos de que fé e esperança, numa perspectiva bíblica e teológica, apesar de se assemelharem ao uso popular feito no cotidiano das pessoas, são dotações do Espírito Santo de Deus que marcam exclusivamente os filhos e filhas de Deus. Com isto afirmamos que, diferentemente da fé e esperança populares, a fé e a esperança doadas por Deus potencializam em seus eleitos a experiência descrita na Tradição Reformada como “Perseverança dos Crentes”. Se, no dia a dia das pessoas, a fé e a esperança populares podem falhar, a fé e esperança dotadas em nós pelo Espírito Santo jamais falharão. E não falham exatamente porque são sinais escatológicos, isto é, são sinais que os crentes experimentam em sua vida espiritual que os potencializam a continuar crendo e esperando pela providência de Deus até o fim. Daí vem o sentido escatológico utilizado pelo apóstolo Paulo ao mencionar que a ressurreição de Jesus Cristo é o penhor, a garantia de nossa ressurreição. O teólogo alemão Jürgen Moltmann interpretou esse penhor da ressurreição de Jesus como sinal portador de esperança. Moltmann chamou a este sinal de “antecipação proléptica”, afirmando que, da mesma forma que Jesus Cristo venceu a morte e foi glorificado, nós, de igual modo, pela fé, cremos que seremos também, no último dia, glorificados. Assim, é por meio da fé que podemos antecipar o futuro; e toda vez que antecipamos em esperança o futuro, temos a sensação da ação consoladora do Espírito Santo em nosso coração que não nos permite sucumbir diante dos dramas existenciais.

Portanto, a ação antecipadora do Espírito Santo tem a função de doar em nosso coração o poder da fé, com a qual desenvolvemos, por meio da experiência, a esperança e, por meio da esperança, a perseverança, como bem disse o apóstolo Paulo em Romanos 5.1-5 e 2 Coríntios 1.3-11. Eis o privilégio de estarmos entre aquelas e aqueles que foram alcançados pela graça regeneradora de Cristo. A esperança com a qual fomos dotados pelo Espírito Santo é o combustível que mantém acesa a chama da fé em nosso coração, capaz de nos revigorar todas as manhãs, conduzindo-nos no caminho que nos levará ao Reino Celestial.

Rev. Adilson de Souza Filho
Professor da Faculdade de Teologia de São Paulo da IPIB (FATIPI)

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