Vida Prática

O VÍRUS DO PÂNICO E O CONTÁGIO PSÍQUICO

Nascemos com apenas dois tipos de medo: o medo de barulho e o medo de cair. Estes são inatos, mas, quando viermos a morrer, já teremos provado aproximadamente 3.600 espécies de medo ao longo da existência, desde medo de baratas até medo de guerra. A psicologia elenca medos estranhos e até alguns tragicômicos, como medo de balões de festa, a globofobia. O medo mais comum, pelo que dizem os experts no tema, é o de falar em público. Não podemos nos blindar do medo, mas podemos administrá-lo. “Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem”, escreveu Jean-Paul Sartre.

Neste exato momento da história, é desnecessário dizer que enfrentamos os dois contágios, que igual forma afetam toda a população: o contágio do Covid-19 pelo Coronavírus e o contágio psíquico, em razão da pandemia do primeiro. Estamos na luta contra um medo coletivo que pode nos causar tantos danos quanto a sua causa primária.

Um medo comunitário é infinitamente mais danoso do que o medo individual. Aos nossos conflitos individuais, respondemos cada um de uma forma: crises conjugais, doenças, problemas de relacionamento, violência, perda de um emprego ou a de um ente querido, que trazem consigo intensos temores. Estes medos vêm e vão, de acordo com nossa capacidade de administrar conflitos, mas, quando algum evento externo mobiliza uma população inteira, o temor se torna mais difícil de ser contido. O contágio psíquico não é algo que estamos conhecendo agora. Trata-se de um fantasma acorrentado nos porões da história da humanidade e que, de tempo em tempo, sobe para o palco e atrapalha o espetáculo.

Ao longo da gripe espanhola, além dos inúmeros dilemas sociais e econômicos, os grandes centros administravam o suicídio de cidadãos desesperados. Durante a Grande Depressão, grave crise econômica norte-americana ocorrida a partir da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, tornou-se comum relacionar a falência financeira a tentativas de suicídio. O período ficou marcado no imaginário popular pelas cenas e narrativas, registradas pela imprensa norte-americana, de tentativas de suicídio em lugares públicos.

Inevitavelmente, os relatos apavoravam a população e a contagiavam.

As massas são infinitamente mais facilmente sugestionadas pelo medo do catastrófico do que pelas boas notícias.

Por exemplo, em 1975, depois da estreia do filme “Jaws” (Tubarão), dirigido por Steven Spielberg, o número de pessoas com fobia de tubarão aumentou de forma extraordinária nos diversos países que passaram o filme. Existem relatos, que, depois de assistir “Jaws”, algumas pessoas não conseguiram mais entrar em piscinas ou banheiras.

Após o fatídico atentado de 11/9/2001, constatou-se que a população dos grandes centros norte-americanos sofreu transformações que perduram por quase duas décadas. Por lá, as pessoas passaram a andar mais rápido pelas calçadas, a esquivar-se de conversarem com estranhos e a evitar estações de metrô.

São medos coletivos. Mas o que se destaca na pandemia do Covid-19 é o fato de que as ligações sociais são intensas. A enxurrada de notícias inunda nossos olhos, ouvidos e mentes a cada hora, incessantemente, inclusive com a criatividade das memes.

Quer fazer um teste? Entre agora em dois ou três grupos de WhatsApp e você verá que raramente outro tema estará em pauta. Outro teste: ligue a TV num telejornal ou abra um site de notícias. O psicanalista, psicólogo e sociólogo Jorge Miklos explica que existe o pânico classificado no Código Internacional de Doenças como transtorno mental, ou seja, uma patologia propriamente dita, mas, quando esse sentimento transborda a subjetividade e ganha um âmbito maior, forma o chamado pânico cultural, um traço do nosso tempo.

Deixo aqui algumas dicas para proteger suas emoções do pânico coletivo:

1) Separe as informações reais e que lhe interessam das sensacionalistas. Estamos frente a um inimigo real, mas o excesso de notícias potencializa o pânico e, pior, algumas delas são falsas. As fake news circulam em todas as mídias e os efeitos também são devastadores. Alguém, de má fé, está ganhando algo quando a população acredita nas inverdades que se espalham. Alguns sites de fake news usam endereços e layouts parecidos com os de grandes portais de notícias, induzindo o internauta a pensar que são páginas dignas de credibilidade. Aliás, lembro-me das palavras de um amigo pastor e filósofo, Ricardo Gondim: “Cuidado! Quanto mais uma mentira é parecida com a verdade, tanto mais perigosa ela é”. Há um texto bíblico que muito nos ajuda nesta filtragem: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro,tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai” (Fp 4.8).  

2) Cultive resiliência nas atitudes e decisões. Trata-se da capacidade de um corpo (matéria) de voltar ao seu estado natural após ter sido submetido a impactos. Na verdade, este é um termo pinçado da física para o estudo do comportamento humano. Já viu aquele profissional que perdeu o emprego há dez anos e até hoje continua frustrado? Ou aquela mulher que foi abandonada há quinze anos e não conseguiu superar a decepção? É a falta de resiliência. Portanto, a incapacidade de retornar à forma natural, depois de um impacto. O resiliente se molda após o impacto e retoma a vida. Numa semana, perde o emprego e, na outra, está alinhando novos contatos profissionais. Paulo, o apóstolo, escreveu: “Não só isso, mas também nos gloriamos nas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança” (Rm 5.3, 4).

3) Veja a história como sistêmica e não como pontilhar. Aqueles que olham para o momento de adversidade como um ponto único sofrem mais intensamente porque não conseguem ver possibilidades em outros pontos. Explicando melhor: o mundo vive de ciclos, nichos e oscilações na sua história. Sempre após as grandes catástrofes vem períodos de reconstrução da economia. Veja a história como um todo e não somente o momento. Enquanto estamos na luta, alguns já estão se preparando para o período pós-covid-19. O sábio Salomão deixa claro que nada é novo na história. São ciclos que se repetem: “O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós” (Ec 1.9, 10). Nesse momento, devemos ser arautos da esperança, mas cuidado, como dizia Voltaire: “A esperança é um alimento da nossa alma, ao qual se mistura sempre o veneno do medo”.


Rev. Marcos Kopeska
Pastor da 3ª IPI de Maríllia, SP
Escritor e terapeuta familiar

One thought on “O VÍRUS DO PÂNICO E O CONTÁGIO PSÍQUICO

  • João Cunha

    Muito boas as dicas. Obrigado pela Palavra !!

    Resposta

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