A HISTÓRIA DA IGREJA APOSTÓLICA
Rev. Alan Daniel Litwin
Ele é pastor da IPIB. Formou-se na Faculdade de Teologia de São Paulo da IPIB e concluiu curso de mestrado em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo. Atualmente, reside em Portugal, onde se dedica à obtenção do doutorado em História, na Universidade de Lisboa. Sua dissertação de mestrado foi publicada pela Fonte Editorial, em São Paulo, neste ano de 2020, sob o título “A História da Igreja Apostólica”, denominação que teve sua origem ligada ao casal Odete Corrêa Coutinho e Eurico de Mattos Coutinho, com vida muito atuante na IPIB.
O que o estimulou a escrever sobre a Igreja Apostólica?
O projeto inicial era muito diferente. Meus auspícios eram compreender um pouco da moralidade no contexto de comunidades da IPIB, notadamente devido à diversidade social oriunda da posição geográfica de algumas igrejas.
Tive o privilégio de ter como orientador o Rev. Dr. Leonildo Silveira Campos e, entre as muitas e ricas conversas chegamos a falar sobre a Igreja Apostólica. A conversa tomou esse rumo em virtude do surgimento desta igreja no seio da IPIB, na década de 1950. A compreensão da importância do resgate de personagens tão relevantes de nossa igreja e as particularidades da Igreja Apostólica foram meus maiores estímulos.
Faça um breve resumo da história e a doutrina da igreja. Qual seu vínculo com a IPIB?
Minha pesquisa detém exclusivo caráter histórico. Não fiz qualquer avaliação das doutrinas da Igreja Apostólica e de seus personagens. O que se pretende é um levantamento historiográfico e um comparativo documental do que se deu entre o início da década de 1950 até os idos de 2018.
A Igreja Apostólica surge em 1953, no Tatuapé, em São Paulo. Seus fundadores foram Eurico de Mattos Coutinho e Odete Corrêa Coutinho, casal com uma brilhante trajetória na IPIB
Eurico, de uma família tradicional Presbiteriana Independente, membro e diácono da 3ª IPI de São Paulo, foi secretário regional da Mocidade Paulistana quando a IPIB preparava as “Comemorações do Jubileu”.
Odete, sua esposa, foi presidente da sociedade Dorcas da 1ª IPI de São Paulo, possuía formação em instituto bíblico, foi secretária geral da UMPI, secretaria e tesoureira geral da CERAL, e secretária Regional de Senhoras em São Paulo.
Ambos eram constantemente citados em O Estandarte com admiração, haja vista os trabalhos empreendidos em prol da IPIB.
Porém, eles seguiram os “movimentos de avivamento” que tomaram força no contexto de algumas de nossas igrejas, especialmente a IPI do Cambuci e a 3ª IPI de São Paulo.
Quando a IPIB se manifestou oficialmente para coibir a manutenção desses cultos, Eurico e Odete, além de outros, renunciaram à IPIB, em 1954, e se uniram a uma tenda itinerante para pregação dos “cultos de cura divina”. Esta tenda estava armada na Av. Celso Garcia, no Tatuapé.
Eurico ficou à frente dos cultos da tenda. Nesse período, surge Rosa Alves, que se une a Eurico e Odete, com alguns postulados diferentes daqueles que seguiam naquela tenda.
Entre outras questões, Rosa Alves ensina-os que devem também pregar em nome de Maria e dos apóstolos, além de outros santos. Muitos abandonam o grupo naquele momento.
Pouco mais tarde, eles mudam para a rua Tuiuti e, desse novo grupo, surge a Igreja Apostólica. Rosa Alves falece em um acidente em 1970, e seu sobrinho, Aldo Bertoni, assume o seu lugar frente a igreja. No entanto, Rosa Alves, conhecida por Santa Vó Rosa, continua a assistir e interceder pelos fiéis ao lado do sobrinho, também conhecido por Santo Profeta Irmão Aldo, falecido em 2014.
Em um capítulo do livro, nos deparamos com a relação da IPIB com o movimento carismático. Seria possível narrar um pouco sobre esse suposto movimento?
As feridas deixadas pela crise doutrinária ainda estavam abertas. Foi nesse contexto que houve um crescimento da liderança leiga, na qual Eurico e Odete tiveram passagem notória. Os líderes leigos, representados pela CERAL, tiveram um papel de absoluta importância para manutenção e crescimento da igreja, e se aproximavam com o que nomeio por ideal de avivamento.
Havia uma expectativa de um despertamento espiritual. Eram convocadas as mocidades além de outros setores, especialmente aqueles diretamente ligados à CERAL.
Havia também uma intenção de uma reconfiguração da liturgia, que era considerada muito formal. A esperança era que esse avivamento tomasse conta da igreja, sem abandonar os princípios doutrinários da ortodoxia calvinista. Um dos grandes defensores e ativistas desse despertamento foi o Rev. Azor Etz Rodrigues.
Nesse contexto histórico da IPIB nas décadas de 1940 e 1950, fica evidente esse ideal de avivamento, que não se dava apenas na IPIB, mas também em outras igrejas históricas.
Diante dos excessos cometidos e com a coibição oficializada pela IPIB, muitos entusiastas foram frustrados em suas investidas, e acabaram deixando a denominação.
Você acredita que tendências carismáticas podem conviver dentro de uma denominação reformada clássica?
Algumas tendências carismáticas podem, sim, conviver nos limites de uma denominação reformada clássica. Mas a questão seria: Quais são essas tendências? Um equilíbrio entre algumas propostas é possível, contudo, de forma responsável e nos limites estabelecidos pela doutrina oficial. O fato, contudo, é que é preciso sempre repensar algo a respeito disso, especialmente enquanto comunidade de fé reformada.
A Igreja Apostólica tem algumas doutrinas bem heterodoxas. Mesmo assim, é possível enxergar resquícios de fundamentalismo no grupo?
A pesquisa foi realizada na esfera das Ciências da Religião, motivo pelo qual não intenciona uma avaliação teológica do grupo. Nestes termos, não entendo que exista algum fundamentalismo no grupo.
É possível identificar no grupo traços clássicos e um pentecostalismo de segunda onda, ou seja, características guardadas do momento de formação da igreja. Isso porque foi identificada a manutenção da crença em revelações, profecias e arrebatamento, por exemplo, que são atributos clássicos desse pentecostalismo.
Penso muito mais que existem traços de pentecostalismo clássico, mas não posso afirmar nada sobre fundamentalismo.
Para uma conclusão a respeito de possíveis marcas de fundamentalismo, far-se-ia necessária uma compreensão mais acurada à luz dos aspectos teológicos, o que não foi meu objeto de análise.
Como pastor da IPIB, você vislumbra a possibilidade do surgimento de outra dissidência similar à Igreja Apostólica?
Há uma tendência das igrejas evangélicas brasileiras em retroceder a um conservadorismo nocivo, que se divorcia das bases em que a IPIB foi construída.
Um indivíduo não pode desconsiderar o contexto em que vive. Há um sério risco de dissidência, não pelos motivos que levaram à dissidência de 1953, mas em virtude dessa presente ânsia de boa parte da igreja evangélica brasileira. Infelizmente, temos assistido esse embate polarizado dentro das denominações, e a IPIB não está excluída dessa realidade.
Quais fatores fizeram a IPIB ser tão propensa a cismas?
Não penso necessariamente na IPIB, mas na igreja evangélica brasileira de uma maneira generalizada.
A igreja evangélica brasileira é propensa a cismas. Somos fruto de cismas, de maneira que esses eventos se tornam algo comum no seio da igreja.
O presbiterianismo que chega ao Brasil decorre de um cisma e o empreendimento de 1903, por mais brilhante e positivo que nos possa parecer, imprime nossa identidade neste sentido.
Para além disso, a IPIB é multifacetada, algo que muito me agrada, posto que promove uma acomodação social da igreja e seu consequente processo de relevância contextual. No entanto, estas múltiplas identidades tendem a aproximações das igrejas locais com movimentos e tendências que podem se chocar com as doutrinas centrais da igreja, podendo culminar em cisões.