PRECISAMOS DE MAIS ATEUS
Será mesmo que o ser humano é ateu? Ou, como dizia Nietzsche, será mesmo que Deus morreu? Ou ainda, como disse Richard Dawkins, Deus é um delírio?
Mircea Eliade, ao analisar a busca pelo ser, desenvolveu a ideia da síndrome nostálgica do paraíso. Diante da angústia – que Sartre chamou de “sentimento diante da falta de sentido” – todos nós sentimos aquele inquietante vazio interior, garganta seca, ansiedade, sem, contudo, sabermos a causa aparente deste tipo de sentimento.
Essa sensação nostálgica é explicada pela filosofia como a necessidade que o ser humano tem de preencher o vazio de sua alma.
Mas será que apenas os religiosos sentem tal vazio da alma e, por isso, tentam preenchê-lo na religião? Estariam os ateus imunes a esse vazio da alma?
Vários teóricos famosos tentaram explicar as razões pelas quais sofremos esse vazio da alma. Sigmund Freud dizia que o ser humano, religioso ou não, sofre de “ilusão neurótica”.
Karl Marx definiu o ser religioso como portador de um tipo de “suspiro da criatura alienada”. Ludwig Feuerbach dizia que a religião não é, senão, como disfunção no ser humano, que não cessa de se procurar e não encontra senão a si mesmo, projetado no imaginário, a fim de fugir da realidade.
Entretanto, honestamente, o vazio da alma é experiência de vacuidade existencial da qual somos todos humanos acometidos, religiosos ou não.
Desse modo, reconhecendo que todos nós somos portadores desse vazio na alma, resta-nos saber o que cada um faz para superar, ou mesmo preencher tal vazio.
As receitas para se preencher tal vazio são diversas, variando entre religião e não religião. Essas formas de busca pelo ser, apontam para religião, poder, eros, violência, álcool, drogas, arte, flores etc.
Foi isso que Whitehead disse sobre a religião, definindo-a como aquilo que o indivíduo faz de sua própria solidão. Nesse sentido, essas formas citadas assumem a figura do “divino” ou, numa linguagem filosófica, assumem a figura da aparência do ser que sempre nos escapa.
O livro São Manuel Bueno, Mártir, romance de Miguel de Unamuno, poeta espanhol, morto em 1936, apresenta o relato — que supostamente chegou às mãos do escritor — de uma mulher, Ângela Carballino, feito sobre a vida de um padre, chamado Manuel.
Nesse relato, verifica-se que padre Manuel se dedicou incansavelmente ao seu ministério de sacerdote, muito embora tenha perdido completamente a fé que tivera outrora. Seu conflito era: aos olhos do povo católico de uma pequena cidade espanhola, todos o viam santo, homem de Deus e dedicado à caridade; mas, aos seus próprios olhos, se via como ateu.
Padre Manuel passou anos de seu trabalho tentando negar à sua própria alma sua falta de fé. Aos poucos foi perdendo a batalha, ao passo que, em nome do seu amor àquelas pessoas que nele acreditavam e que criam em Deus, preservou a comunidade de ouvir sobre sua completa perda da fé.
O Padre Manuel não quis envolver em sua angústia pessoas simples cujo sentido para a vida estava em esperar a recompensa no mundo celestial.
Unamuno constrói um personagem que mente ou engana aos outros por considerar um dever de sua consciência mantê-los fiéis à igreja, às suas devoções e à sua esperança na vida celestial.
Padre Manuel acreditava que o povo precisava do fervor religioso para dissipar as angústias da vida.
Ao chegar no limite de suas forças, sucumbido pelo sentimento de sua consciência de “enganador”, decidiu se abrir com um amigo. Lázaro, irmão de Ângela, aderiu à missão do Padre Manuel para ajudá-lo a esconder o drama de sua falta de fé. Contudo, mantendo intacta sua empatia fraternal pela comunidade.
Precisamos de mais ateus assim! Precisamos de sacerdotes que reconheçam sua completa finitude. Não precisamos de sacerdotes e pastores super crentes, arrogantes, supostamente cheios de autoridade espiritual.
Precisamos de pessoas tais quais Padre Manuel que, a despeito de sua falta de fé, demonstrou sua fé na prática da piedade e da solidariedade pelo outro.
Rev. Adilson de Souza Filho
Professor da Faculdade de Teologia de São Paulo da IPIB (FATIPI)
As pessoas comuns raramente poderão ser ateias. Estão tão ligadas são imediatismo da vida que nem faz sentido confeitar questões como a possibilidade da não existência de Deus. Já um sacerdote aumenta exponencialmente a sua chance de se tornar ateu, já que se especializou.