Artigo Teológico

INDEPENDÊNCIA – ANÁLISE CRÍTICA

Eu tinha cinco anos quando participei de meu primeiro desfile de 7 de setembro. A principal rua do comércio que normalmente era repleta de consumidores, estava repleta de patriotas prestigiando o desfile de crianças e adolescentes. Tudo para celebrar a independência do Brasil.

Independência era uma palavra complexa para as crianças de minha idade. Para um menino de cinco anos, o verde e o amarelo representavam motivo de unidade: as cores da minha camiseta eram as cores da camiseta de quase todos ali.

Nos últimos anos, não tive a oportunidade de acompanhar estes desfiles. Contudo, independência continua sendo uma palavra difícil para mim, ainda mais quando pensada a partir da fé cristã reformada.

Para nós, herdeiros da tradição judaico-cristã, independência é comumente associada a voz profética sustentada no Senhor que confronta injustiças e opressões.

Veja a narrativa bíblica do povo de Israel preso no Egito: para Moisés e todo o povo hebreu, ser independente passava por confrontar o império egípcio a partir da autoridade que vinha de Deus. Ser independente tinha a ver com temas como a liberdade de expressão religiosa, a liberdade para plantar e cultivar o que se deseja, o fim de maus tratos e da opressão física, e o direito a uma liderança coletiva autônoma não subjugada a poderes estrangeiros.

A terra prometida era uma terra que inspirava esperança e paz.

Para nós, herdeiros da tradição reformada presbiteriana independente, a independência como voz profética sustentada no Senhor continua sendo um aspecto primordial no entendimento do termo.

Líderes cristãos brasileiros se levantaram no fim do século XIX e início do século XX, buscando autonomia do ensino bíblico-teológico ao povo presbiteriano no Brasil, ou seja, ensino da Bíblia por “nossa gente”. Ser independente era ser capaz de levar adiante a proclamação do evangelho em território nacional com transparência.

A voz profética é aquela que se apresenta e imagina um mundo em que Deus está presente. Por isso, toda voz profética deve ser sustentada no Senhor.

Jesus ressuscitado tem poder até os dias de hoje, pois está além dos limites normais de espaço e tempo. O Salvador continua agindo e convertendo a humanidade, e enviando seu povo com coragem para enfrentar a vida com esperança.

Santo Atanásio afirma, “esta é a obra daquele que vive, não de um morto; e, mais do que isso, é a obra de Deus”. Assim, em uma só voz, os cristãos declaram a autoridade de Deus e, em muitas vozes, testemunham a presença do Senhor.

Comemoramos os 200 anos da independência do Brasil. Como brasileiros, compartilhamos desta memória comum que é recordada anualmente.

“Co-memorar” o 7 de setembro é trazer à memoria o significado deste evento histórico que nos é comum. É significar e ressignificar a caminhada de nosso povo.

Keith Jenkins afirma que toda data histórica ou documento histórico é ele mesmo um acontecimento. A forma como co-memoramos e interpretamos a história é também produção de conhecimento histórico

Como cristãos reformados brasileiros, somos convidados a comemorar a história brasileira no dia 7 de setembro. Somos convidados a contribuir com nossas vozes proféticas para o bem comum.

Assim, para nós, comemorar o 7 de setembro é trazer à tona os sinais da graça de Deus ao longo da história de nossa gente, e também compartilhar nossos olhares críticos e proféticos em relação a aspectos da vida comum que ainda clamam por transformação.

Não vivemos mais como escravos no Egito, nem sob a tutela de igrejas estrangeiras. Contudo, diferentemente de quando eu tinha cinco anos, hoje as cores da bandeira nacional não representam união, mas destacam diferenças político-partidárias.

Neste ano, quando for contar da independência do Brasil aos meus filhos, pretendo celebrar alegrias de nossa história, e também ouvir vozes de pessoas que compartilham desta terra comum conosco, mas que ainda clamam por liberdade e autonomia.

Celebrar a história comum é pensar a presença de Deus em nossa história ontem, hoje e amanhã.

Rev. Paulo Câmara Marques Pereira Júnior
Membro do Conselho Editorial da IPI do Brasil

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