CASA COMUM
Eu sei… Ler, ouvir ou pensar sobre oikoumene causa arrepios em algumas pessoas… Mas quero convidá-lo a ler com paciência e atenção o que eu desejo escrever/falar/comunicar sobre oikoumene.
Lembre-se que os reformadores não pretendiam fundar uma nova igreja, mas reformar toda a igreja.
O significado mais antigo da palavra grega οἰκουμένη (oikoumene) indicava a “terra habitada”, o “mundo conhecido”, o “Universo”.
- Para os gregos, “Terra habitada” significava um povo civilizado, com uma cultura aberta, uma cosmovisão civilizacional unificada, ou seja, carregava em si uma perspectiva geográfica e cultural.
- Para os romanos, οἰκουμένη teve o seu significado ampliado pela extensão das fronteiras políticas romanas, abandonando a restrição do espaço grego. Para um cidadão romano, o termo “ecumenismo” continha, além das perspectivas geográficas e culturais, uma perspectiva política.
Até aqui, oikoumene era vista com um espaço geográfico, cultural e político.
Então, o cristianismo entra em cena.
A partir do cristianismo, οἰκουμένη, mais uma vez, teve o seu significado expandido, incluindo uma perspectiva espiritual.
A noção de terra habitada se transforma em um espaço habitável, uma “Casa da Família Humana”.
Isso quer dizer que, a partir da perspectiva cristã, a história que se conta não é mais sobre os fatos e feitos humanos. A história comunicada, é a ação de Deus que culminará em um espaço habitável com muitas moradas (João 14.1-6).
O foco sempre é Deus, nunca o ser humano.
Calvino já enfatizava esta realidade, quando afirmou que há uma relação clara entre o autoconhecimento humano, baseado no conhecimento de Deus. Isso significa que nós, os seres humanos, somos convidados a assumir a responsabilidade de manifestar a glória de Deus, além das nossas diferenças confessionais e doutrinárias.
Em 1552, por exemplo, Calvino escreveu uma carta a Thomas Cranmer, arcebispo de Cantuária, na Inglaterra, afirmando que a divisão da igreja deveria ser classificada entre os principais males daquele tempo.
Os reformadores sempre estiveram comprometidos com a restauração da unidade na igreja. A Teologia Reformada é ecumênica em sua fundação, escopo e reivindicações, tendo desempenhado um papel central na formação e no desenvolvimento do movimento ecumênico mundial.
A questão é que muitas pessoas, ao ouvirem falar sobre oikoumene, imediatamente pensam que se trata de sincretismo e universalismo.
Visser’t Hooft, primeiro secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), identificou o perigo desses dois extremos da mentalidade e prática ecumênica (sincretismo e universalismo), como posições que poderiam descaracterizar a fé cristã. Ele insistia que a igreja é a igreja de Jesus Cristo e que conhece um único destino escatológico: o reino de Deus.
Isso significa que todos os objetivos humanos devem ser analisados criticamente à luz das informações que recebemos sobre a natureza do Reino e os caminhos que levam a ele.
Desde o início da discussão ecumênica moderna, foi a escatologia que definiu a atitude em relação à Igreja, Estado e Sociedade.
Se há algum “universalismo no ecumenismo”, para Visser’t Hooft, ele aponta para o Reino de Deus, que é um projeto universal, e que as ações dos cristãos na direção do Reino não se restringem ao “círculo da fé”, mas se estendem além dele. É inclusivista, e não exclusivista. É missionário, e não hermético.
Para Karl Barth, o movimento ecumênico e a busca pela unidade da igreja nunca devem se tornar um fim em si mesmos, assim como a igreja não é um fim em si mesma.
Em outras palavras, a igreja só existe a serviço do Cristo vivo e sua unidade deve derivar dele.
A missão da igreja sempre foi dar testemunho no mundo do amor de Deus pelo mundo.
A partir desses conceitos teológicos, Barth se tornou um dos principais pensadores do movimento ecumênico. Ele afirmou claramente o Credo unam ecclesiam.
Os cristãos são simplesmente chamados a acreditar em Deus como a origem comum, o objetivo comum da igreja a que são chamados.
Por isso, os cristãos acreditam na unidade da igreja e na busca pelo diálogo entre as diferentes denominações.
Para Niebuhr, outro teólogo reformado, o denominacionalismo protestante estadunidense foi o primeiro problema religioso ao qual ele dedicaria os seus esforços acadêmicos.
Para ele, as tradições protestantes, especialmente as reformadas e calvinistas, eram consideradas as mais importantes historicamente, porém, na América do Norte, foram culturalmente influenciadas em suas práticas e doutrinas, levando a um risco perigoso de traição em um paroquialismo antropocêntrico e mundano, que esquece que o ser humano em Cristo é, acima de tudo, um cidadão do céu.
Na América do Norte, segundo ele, as igrejas estavam predominantemente sob a influência da ideia de “seita”, ou seja, elas se comportavam de forma menos inclusiva e mais excludente, evitando assim qualquer tipo de diálogo e de esforço para o ecumenismo.
A teologia reformada esteve sempre atenta às realidades culturais de seu tempo como expressão da depravação total do ser humano como manifestação de efeitos noéticos, principalmente no sectarismo exclusivista.
O convite ao diálogo ecumênico é um convite à preservação da própria fé cristã, que se baseia na soberania divina em ação em nosso mundo.
O desafio é estabelecer uma comunicação favorável ao diálogo ecumênico, onde seja estabelecido o foco naquilo que é comum às diferentes vertentes cristãs, em vez de se prestar atenção ao que nos separa.
Tudo isso porque, no final da história humana, Deus estará definitivamente em nosso meio, sendo o nosso Deus e nós sendo os seus filhos e filhas, que habitam para sempre na casa de Deus.
Rev. Eugênio Anunciação
Pastor da IPI de Mogi das Cruzes, SP
Ministro da Comunicação da IPIB