O CORPO E A ALMA DO CRISTÃO
Rm 6.12-23 – 13º DOMINGO NO TEMPO COMUM
TEXTOS COMPLEMENTARES: Gn 22.1-14; Sl 13; Mt 10.40-42
Em um mundo de tanta incredulidade, é confortante saber que há exemplos de pessoas que se agarraram a Deus com uma fé colocada nos limites do impossível. Abraão obedece, mesmo Deus exigindo dele a tarefa absurda de sacrificar o próprio filho. O salmista, ainda que se queixando da demora de Deus em atendê-lo, declara: “No tocante a mim, confio, ó Deus, na tua graça; regozije-se o meu coração na tua salvação”. Jesus quer que os discípulos partam para o cumprimento da missão recebida, com a convicção de que estão realizando o trabalho dos profetas, dos grandes homens de Deus e do próprio Cristo, e que assim devem ser reconhecidos. Paulo exorta aos que creram na justificação de Cristo que se conduzam de maneira responsável, na certeza de que são agora criaturas renovadas pela obra redentora da ação divina. Por esta aproximação, os textos complementares estão em condições de oferecerem exemplos para a análise que agora começa, desta parte da Carta aos Romanos. O texto soa como uma advertência do apóstolo para lembrar que o fiel se encontra tanto sob as influências negativas dos agentes do pecado, como sob o manto protetor da justificação em Cristo Jesus. Em que partes o fiel é atingido tanto pelas forças negativas como as positivas? Por quais partes ele se sente responsável? Quais delas deve colocar a serviço de Deus? A tarefa do presente estudo é procurar saber como o texto responde a estas três indagações.
O corpo e a alma do cristão constituem o todo de sua a vida (Rm 6.12-14)
A palavra alma não consta do texto. Por outro lado, as palavras corpo, membros e carne aparecem, na soma delas, sete vezes. Estaria o apóstolo ensinando que a batalha entre vida e morte contra o pecado se daria apenas nos domínios do corpo físico, ficando a alma humana livre de qualquer condenação? A relevância, por exemplo, que as palavras morte e ressurreição têm nesta passagem da epístola mostra que o socorro divino é dirigido para livrar a vida das pessoas de sua condenação à morte por causa do pecado. O fato de o salmista usar as palavras alma e coração na sua busca do socorro divino mostra que tais palavras são usadas com menos rigor do que querem as definições religiosas para se referirem ao ser humano na sua integridade. Assim, as forças negativas que, no texto, buscam a destruição da espécie humana – o domínio do pecado, a escravidão do ser humano, a sentença de morte, a instauração do império da maldade e da impureza – bem como as grandes ações do movimento salvífico divino – a justificação, a ressurreição, a santificação, a vida eterna – atingem as pessoas como indivíduos criados pela potente mão de Deus. É esta a visão que o salmista tem sobre a constituição de seu próprio ser, quando clama a Deus: “Ilumina os meus olhos, para que eu não venha a dormir o sono da morte”.
Qual o setor da vida cujo cuidado é de responsabilidade do cristão? (Rm 6.14-19)
Nesta perspectiva, então, os novos fiéis não deveriam alimentar apenas os interesses de seu físico, como faziam antes de aceitarem a mensagem do evangelho, tão pouco desprezarem sua existência carnal, como ensinavam algumas religiões. Muito menos deveriam se eximir de qualquer restrição em seu comportamento moral, pensando que, pela graça de Deus por intermédio de seu Filho, já estão no céu, livres de qualquer condenação. Pelo contrário, devem portar-se como profetas, servos de Deus, representantes da mensagem de Cristo perante a corrupção deste mundo. No texto, o apóstolo orienta a conduta do novo cristão, explorando o sentido de alguns verbos. O cristão está entrando em uma guerra conduzida por dois reinos. O pecado está lutando violentamente para continuar reinando sobre os seres humanos neste mudo. A ordem é vigiar, não permitir as avançadas do inimigo, resistir firmes como valentes atalaias do reino de Cristo. Preocupado, porém, com a fase ainda imatura da igreja nascente, Paulo teme pela pouca resistência aos ataques do inimigo e, por isso, repete quatro vezes a palavra entregar. A ordem é também não ceder, guardar com potentes chaves o corpo, agora renovado pela graça divina, como uma propriedade mais preciosa do que a prata, o ouro ou qualquer outra riqueza deste mundo. Palavra cara nos ensinos paulinos, a palavra obedecer/obediência está presente aqui quatro vezes. Abraão é conhecido como o Pai da Fé não por desprezar a importância do corpo, mas por obedecer a Deus até às portas da morte. O cristão continua sendo um servo. Precisa estar consciente de que, agora, mudou de patrão a quem deve servir. Agora, serve a um Deus justo do qual recebe a forma de doutrina a ele entregue. Finalmente, o servo de Deus deve envergonhar-se. Ele deve ter vergonha das coisas que fazia antes de obedecer a fé, ter vergonha da má conduta de seus companheiros de geração, ter vergonha de viver relaxadamente para com as coisas que estão sob sua responsabilidade.
Que parte de sua vida o cristão deve disponibilizar para o serviço a Deus? (Rm 6.20-23)
Comparando com relações de trabalho, pode-se dizer que, nos seus dois extremos, o cristão tem de se dedicar ao serviço de Deus. Como servo, o escravo pertence, todo ele, ao seu senhor e não tem liberdade para entregar a sua vida a serviço de outrem. Como filho reconciliado com o Pai, ele é legítimo herdeiro e tem de devotar-se ao serviço do reino que, agora, a ele pertence. O apóstolo emprega a palavra instrumento. Os instrumentos são específicos. Uns são usados para as realizações das obras no reino do pecado. Estes instrumentos são armas para a destruição. Estas armas podem ser materiais ou ideológicas. Nos presentes dias, elas estão cada vez mais sofisticadas e camufladas para enganar os incautos. Os instrumentos de Deus servem para implantar a justiça na terra. Elas não precisam ser armas mortíferas. A justiça não se implanta pela violência, mas pelo poder em demonstrar e defender o caminho da retidão, da verdade. O cristão, porém, não é apenas instrumento, mas, acima de tudo, agente, com a incumbência geral e tarefas específicas na implantação do reino da justiça no mundo, produzindo frutos que garantem a santificação, tendo por salário o dom gratuito de Deus, até à volta do seu Senhor e a entrada para a vida eterna.
Rev. Lysias Oliveira dos Santos
Pastor Jubilado da IPI do Brasil