TEOLOGIA DA CULTURA
Não há agrupamento humano sem cultura. É um grande equívoco confundir o termo cultura com um certo refinamento de hábitos ou com uma das facetas da própria cultura, como a expressão artística. Cultura é simplesmente o conjunto de hábitos, costumes e valores de um determinado povo. A igreja cristã também é uma comunidade e possui seus próprios hábitos culturais.
Acompanhando essa realidade, a mesma igreja está inserida em um universo bem mais amplo, representado pela sociedade. E a sociedade dita secular também está imersa em uma agenda cultural. Diante de tal verdade, como a comunidade cristã deve expressar sua própria cultura e interagir com o arcabouço cultural de uma sociedade predominantemente laica?
Paul Tillich, importante teólogo e filósofo alemão radicado nos EUA, aborda a questão no já clássico livro “Teologia da Cultura”. Publicado originalmente em 1959, reúne 15 palestras e textos produzidos durante o auge da carreira acadêmica de Tillich.
Antes de demonstrar o que realmente significa uma teologia da cultura, é necessário definir a real compreensão do termo religião. Tillich desempenha essa tarefa de forma magistral já no primeiro capítulo intitulado “Dimensão religiosa na vida espiritual humana”. Religião nada mais é do que uma estrutura fundamental de todo ser humano, sendo a preocupação suprema da nossa existência. Com esse conceito em mente, o pensador luterano sepulta a ideia meramente dogmática de religião. Até a pessoa ateia é religiosa, pois carrega em si uma preocupação suprema.
Após apontar esse novo significado da religião, torna-se claro que as inúmeras atividades culturais estão permeadas por alguma busca do supremo. As artes, a política, a economia e demais manifestações humanas estão carregadas de sentido religioso, pois, mesmo de maneira velada, almejam o incondicional. É soterrada a separação entre sagrado e secular. Estamos diante da espinha dorsal da análise tillichiana da cultura.
Com essa definição apresentada, Tillich percorre os diferentes aspectos da cultura ocidental e os correlaciona com o cristianismo protestante. A primeira tarefa do cristão é compreender o mundo ao seu redor, interpretar suas angústias e oferecer respostas. O diagnóstico é fornecido pela filosofia existencialista. O existencialismo demonstra a incapacidade da sociedade moderna e racionalista em fornecer as respostas para o ser humano angustiado. Dessa forma, a filosofia desnuda o problema, cabendo à fé cristã oferecer a resposta: Jesus Cristo.
Em sua abordagem multidisciplinar da cultura em relação com a teologia, o livro de Tillich navega por várias outras esferas culturais. A expressão artística da pintura não é deixada de lado. “Guernica”, o clássico quadro de Picasso, é considerado a obra protestante por excelência, pois, graças ao seu estilo, demonstra o caos natural da vida humana. A psicanálise é apontada como um corretivo essencial à pastoral exercida nos ambientes protestantes. Afinal, ela relembra como a literatura religiosa traz em si muito da alienação que existe no fundo da alma humana, a limitação do livre-arbítrio e a importância da graça de Deus, ressaltando que o analista em seu divã acolhe, escuta e ajuda seu paciente independentemente de quem ele seja ou tenha feito, postura bastante semelhante ao Deus gracioso que nos aceita a despeito de nossos pecados e tropeços.
Outros capítulos abordam as ciências naturais, a educação, a linguagem e várias outras temáticas, sempre em relação com uma teologia prática cuja finalidade é anunciar o evangelho para o secularizado ser humano de nosso tempo.
Mesmo sendo uma obra do final da década de 50 do século passado, “Teologia da Cultura” ainda é referência para quem deseja pensar teologicamente os desafios da modernidade.
“Igreja reformada, sempre se reformando.”
Rev. André Tadeu de Oliveira
Pastor da IPI de Alexânia, GO
Membro do Conselho Editorial de O Estandarte e da revista Vida & Caminho