TEOLOGIA DA CULTURA
Não há agrupamento humano sem cultura. É um grande equívoco confundir o termo cultura com um certo refinamento de hábitos ou com uma das facetas da própria cultura, como a expressão artística. Cultura é simplesmente o conjunto de hábitos, costumes e valores de um determinado povo. A igreja cristã também é uma comunidade e possui seus próprios hábitos culturais.
Acompanhando essa realidade, a mesma igreja está inserida em um universo bem mais amplo, representado pela sociedade. E a sociedade dita secular também está imersa em uma agenda cultural. Diante de tal verdade, como a comunidade cristã deve expressar sua própria cultura e interagir com o arcabouço cultural de uma sociedade predominantemente laica?
Paul Tillich, importante teólogo e filósofo alemão radicado nos EUA, aborda a questão no já clássico livro “Teologia da Cultura”. Publicado originalmente em 1959, reúne 15 palestras e textos produzidos durante o auge da carreira acadêmica de Tillich.
![](https://oestandarteonline.com.br/wp-content/uploads/2020/10/Teologia-da-Cultura-1024x573.jpg)
Antes de demonstrar o que realmente significa uma teologia da cultura, é necessário definir a real compreensão do termo religião. Tillich desempenha essa tarefa de forma magistral já no primeiro capítulo intitulado “Dimensão religiosa na vida espiritual humana”. Religião nada mais é do que uma estrutura fundamental de todo ser humano, sendo a preocupação suprema da nossa existência. Com esse conceito em mente, o pensador luterano sepulta a ideia meramente dogmática de religião. Até a pessoa ateia é religiosa, pois carrega em si uma preocupação suprema.
Após apontar esse novo significado da religião, torna-se claro que as inúmeras atividades culturais estão permeadas por alguma busca do supremo. As artes, a política, a economia e demais manifestações humanas estão carregadas de sentido religioso, pois, mesmo de maneira velada, almejam o incondicional. É soterrada a separação entre sagrado e secular. Estamos diante da espinha dorsal da análise tillichiana da cultura.
Com essa definição apresentada, Tillich percorre os diferentes aspectos da cultura ocidental e os correlaciona com o cristianismo protestante. A primeira tarefa do cristão é compreender o mundo ao seu redor, interpretar suas angústias e oferecer respostas. O diagnóstico é fornecido pela filosofia existencialista. O existencialismo demonstra a incapacidade da sociedade moderna e racionalista em fornecer as respostas para o ser humano angustiado. Dessa forma, a filosofia desnuda o problema, cabendo à fé cristã oferecer a resposta: Jesus Cristo.
Em sua abordagem multidisciplinar da cultura em relação com a teologia, o livro de Tillich navega por várias outras esferas culturais. A expressão artística da pintura não é deixada de lado. “Guernica”, o clássico quadro de Picasso, é considerado a obra protestante por excelência, pois, graças ao seu estilo, demonstra o caos natural da vida humana. A psicanálise é apontada como um corretivo essencial à pastoral exercida nos ambientes protestantes. Afinal, ela relembra como a literatura religiosa traz em si muito da alienação que existe no fundo da alma humana, a limitação do livre-arbítrio e a importância da graça de Deus, ressaltando que o analista em seu divã acolhe, escuta e ajuda seu paciente independentemente de quem ele seja ou tenha feito, postura bastante semelhante ao Deus gracioso que nos aceita a despeito de nossos pecados e tropeços.
Outros capítulos abordam as ciências naturais, a educação, a linguagem e várias outras temáticas, sempre em relação com uma teologia prática cuja finalidade é anunciar o evangelho para o secularizado ser humano de nosso tempo.
Mesmo sendo uma obra do final da década de 50 do século passado, “Teologia da Cultura” ainda é referência para quem deseja pensar teologicamente os desafios da modernidade.
“Igreja reformada, sempre se reformando.”
![](https://oestandarteonline.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Rev.-Andre-Tadeu-de-Oliveira.jpg)
Rev. André Tadeu de Oliveira
Pastor da IPI de Alexânia, GO
Membro do Conselho Editorial de O Estandarte e da revista Vida & Caminho